«Por esta altura, a Vó Gi andaria a ver o preço das abóboras no supermercado e o Pai a desfazer as montanhas de tralha na garagem até ao caixote das coisas do natal. Este ano, nada...» - pensava o Joca - «Que se passa?»
- Andam estranhos! – dizia, sozinho na cama, depois de a Mãe o ter aconchegado enquanto o Pai dizia:
- Até amanhã, Joca. Sonha com os anjinhos... e com o papá.
Comandado, o sonho vinha, obediente, sorrateiro, macio... um colo quentinho para o embalar.
Na manhã seguinte, a deceção aumentava: nenhuma movimentação na garagem nem no supermercado!
«Os passos lentos, arrastados ...» – eles que o acusavam de molengão!
«Os olhos não riem como dantes nesta época, sempre alegre e cheia de ternura.» Se não fosse tolice, diria que pareciam húmidos demais ou dormidos de menos.
Os rostos corfirmavam – a curva dos lábios era ^ (a cara da Vó Gi dantes parecia um smile!), as maçãs do rosto já não estavam madurinhas e a pele perdera a luz.
- Andam tristes! Porquê?
Piorava depois das notícias na televisão. O Telejornal era um tornado, lá em casa! As conversas mais tristes, os olhos mais húmidos e os passos mais lentos. E uma palavra repetida, martelada: crise! CRISE! CRISE!
Um dia, o Pai falou com o Joca e usou a palavra crise:
- Joca, estamos em crise. Não há subídio de natal. A mãe nem sabe se manterá o emprego. Por isso... este ano não haverá prendas de natal.
- É temporário, filho. Para o ano compensamos. A crise há de passar...
Nessa noite, o sono não obedeceu ao Pai, quando ele disse, num sorriso esforçado:
- Até amanhã, Joca. Sonha com os anjinhos... e com o papá.
Nem sonhos, nem sono! Sempre a palavra crise, agora a martelar na sua cabecinha de menino.
- Sem prendas nem vale a pena ser natal...
Mas a frase do Pai era muito forte e o sono não resistiu.
De manhã, enquanto a Mãe e o Pai faziam os preparativos possíveis para a consoada, o Joca permaneceu no quarto. Quando voltou à cozinha, chamou:
- Familiazinha!
Pararam, como no pause dos vídeos.
- Prendas para todos. Abram...
Estendeu, na mão pequenina, como quem abre um baralho de cartas, três envelopes em papel de rascunho.
Surpreendidos, puxaram o envelope com o seu nome e os lábios arquearam em smile: um coração para cada um, recortado em cartão, onde Joca escrevera MÃE, PAI, VÓ GI.
Os smiles invadiram a consoada do Joca e a familiazinha passou o serão a recortar, a colorir e a entregar uns aos outros os seus corações.
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