O QUARTO
O incentivado cão, entrado pelas traseiras do quarto, confrontou-se com as persianas que já mal se abriam e se colhiam das folhas do sol. Anos a fio, a luz pincelara os azulejos medonhos e incaraterísticos das paredes. São frios os azulejos. Talvez, por isso, não existam quadros nem fotografias que preencham as paredes. Somente, os azulejos que jamais tornarão a abrir-se para a planície do nome. O nome dos azulejos, conheces?... Havia uma expressiva conta amarelada. A luz não era paga há dez anos. No quarto, parece que sempre existira a temor das horas vagas.
É quando a luz se acende que os fantasmas se soltam, sempre diziam os velhos às crianças. Pego no facho que incide no rosto e pretendo apagá-lo, não há cama onde esconder as entranhas dos azulejos porque alguns não se acasalam linearmente.
A escrita revelou-se pela grafite. Sempre houve uma parede em branco. Podia existir de outra cor. Mas a parede branca sempre esperou por um rabisco provocador que a compusesse. As estantes radicalizam a sua sombra nas manchas de sol ao dispor da luz. Raio de luz! Não tenho vontade de limpar os azulejos sujos pela inocência do tabaco e pela meticulosa paciência de fabricar a solidão de um charro. Sinto que a rasura que um azulejo pode conter merece a ocupação do cimento que o ferra à pele do quarto. Não pertence a mim, à pequena sensatez de não ter paredes que envolvem a espera.
Havia uma espécie de decoração inversa. Não dava para revelá-la. As vibrações do seu ar pautavam o ritmo das melodias externas. Encarava tal epifania como uma perda de tempo. Fazia bem à memória, às horas mortas. A gateira gostava de controlar o quarto, como um farol. Avistava a costa e os navios que rodavam numa película. Há imagens que nos controlam. A palma da mão é a imagem do meu rosto. Consegues agarrá-lo pelas linhas com que teces e amordaças o tempo à superfície dos desejos? Por que não se cruzam os vales das mãos? Não há vales por onde caminhas, diria a cigana, agarrando-me com a força das veias rugosas. Os vales existem nas memórias que se transportam pela origem do cão que engravidara o quarto.
Passei pelo mercado e a lua chegava pelas línguas que se cruzavam com o amor ou outra qualquer espécie de veneno transformado em humanidade. Só a mesura dos olhos consegue sobrepor-se à imaginação dos opulentos edifícios. Não há amor nas cidades. Há almas que se refugiam em quartos e se emancipam pelos azulejos drenados em fumos espirais. O quarto era mais completo pela força da viagem e filtrava-se pelo aquecedor que enganava o coração… Na distância da rosa morre o homem. Os plátanos morreram esgazeado no regaço do jardim Os plátanos morrem na cor do seu choro.
Voltei-me para os azulejos e o branco húmido da sua cor ultrapassava a etapa carnal do quarto. Os anjos subiam com o azulejo que olhava para a cama. A aguarela do teu sangue esquecera-se de coroar a nudez do cão.
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