Laura não brincava com bonecas, preferia palavras. Gostava tanto de palavras que “- Um dia vou conseguir pô-las a chorar de tanto as dizer” – comentava com a irmã Carminho.
Laura teria uns 7 ou 8 anos, Carminho perto dos 12. Olhava e escutava a irmã com desdém, sem entender patavina. Dizia às amigas que a irmã tinha um pirolito a menos.
“Car-tin-ha p´ra me-ni-na, fan-to-che co-lo-ri-do, me-ni-na ca-ra fei-a, sa-bri-na_cor-de-rosa, bai-la-ri-na pe-que-ni-na, re-bu-ça-do de mo-ran-go, ves-ti-do a-zul tur-que-sa, bo-la-cha de bau-ni-lha, chei-rin-ho a ca-ne-la.”
Passava os dias a tentar dar-lhes vida própria. Desbobinava palavras incansavelmente.
Laura cresceu em idade e em tamanho. Agora, acorda embrulhada em sonhos turbulentos, vive de relações superficiais e sente a solidão a aflorar.
Derrama lágrimas pela alegria de sentir o sol de um pôr desmesuradamente belo, assim como pela simples sensação de deitar a cabeça na almofada. Um dia, uma dança, uma lua após a outra. Uma lua que cresce minguando. E chora. Chora pelo amanhecer, pela tarde que acontece ou pelo sol que à noite, inevitavelmente, escurece. Cosmicamente falando, Laura eclipsa e lacrimeja a sorrir.
Num corpo esguio, numa pele imaculada do nada que mergulhou a sua alma, acorda com o som das suas próprias palavras, sem nada que as faça parar, como lava que escorre de um vulcão. Todos os poros as expelem e arranca a roupa colada pelo suor, exausta por não de lhes dar corpo ou vida. Desespera. E Chora. Chora pelo exagero. Pela consciência da utopia que é dar-lhes sentido.
Anos depois: - Sempre puseste as palavras a chorar?
- Eu canso-as a chorar, Carminho. Outras vezes canso-me a chorá-las.
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