Vagalumes de Inverno

 

Vagalumes de Inverno

Portuguese

Katerina Avila

 

  De vez em quando encontro-me a recordar quando eu sorria, quando eramos crianças e amávamos como gente grande. Lembro do brilho nos teus olhos inocentes, da tua gargalhada contagiante, das tranças que eu gostava de puxar, só para poder ouvir o resmungo infantil ou a resposta esperta sempre debaixo da língua. As noites passadas debaixo das estrelas, a caçar vagalumes como pretexto de aproveitar as nossas companhias durante um pouco mais de tempo. Ah! Como eu amava cada segundo da tua presença.

 Depois penso em todas as lágrimas que chorei por ti, a dor que senti ao perder alguém que nunca cheguei a ter realmente. As vezes que implorei para que tudo não passasse de um mau sonho e que no dia seguinte tu me acordasses cedo, só para me deixar irritado.

 Mas o que aconteceu não foi um sonho mau e tu não voltaste para mim. Eu nunca mais vi o meu reflexo no teu olhar, ou ouvi a tua gargalhada, nunca mais toquei nos teus cabelos castanhos ou passei as noites a caçar vagalumes, nada se repetiu ou se acrescentou às minhas lembranças contigo. O que poderia existir já existiu e tudo que sobrou foram recordações.

 Não entendo bem o porquê de ainda te escrever cartas, mas creio que esta foi a única forma que arranjei de me iludir por alguns segundos. Pensar que tu talvez as vás ler, acalma o meu coração por instantes, mesmo sabendo que é mentira.

 Com amor,                                

Negrume da noite.

26 – 10 – 2010

 Eu conhecia bem demais cada uma daquelas palavras, estava já habituada a lê-las, mas o fascínio que senti ao ler cada uma delas pela primeira vez, ainda faiscava dentro de mim.

 A caligrafia parecia arte de tão bem trabalhada. A linguagem era carregada de sentimentos reprimidos de um alguém que sofria demais. Alguém a quem eu desconhecia o nome, mas ansiava conhecer. Foi desde a morte da minha irmã Clarice que as cartas começaram a surgir, todos os anos, no mesmo dia. O conteúdo era semelhante em todas elas, falava de amor perdido, alegrias que se foram e a amargura que ocupou o coração do anónimo.

 “Negrume da noite”, era tudo que eu conhecia daquele rapaz. Um simples apelido, típico de criança criativa que gosta de inventar nome para tudo e todos. Porém, aquele nome nada me oferecia, eu precisava de uma base, algo que me ajudasse a encontrar o autor das cartas. Passei noites acordada, lendo e relendo os nove pedaços de papel já mal tratados pelo tempo, procurando por algo, uma pista, um código, alguma coisa que me fizesse chegar ao seu paradeiro, mas tu foi em vão. Nenhuma das minhas noites acordada, serviu para achar a mais insignificante das respostas. Eu estava a zero e provavelmente iria ficar sempre assim.

 O som agudo da porta principal sendo aberta, acordou-me do meu transe momentâneo. Inconscientemente olhei para o relógio despertador em cima do criado mudo. Passavam três minutos das oito da manhã, era hora de sair.

 Dobrei a carta com o maior dos cuidados possíveis e recoloquei-a no seu respetivo envelope. Abri a última gaveta do pequeno móvel e pousei-a lá, juntamente com todas as outras. A voz impaciente do meu pai chamou-me do andar de baixo e eu fui a seu encontro sem consternar, como usualmente fazia...

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