A Menina de Gelo
Nas profundezas de uma floresta situada num país distante e frio, num dia de inverno rigoroso e neve, soava a voz doce de uma menina que cantarolava uma melodia de notas soltas, ora agudas, ora baixas, parecendo por alguns momentos melancólica, porém noutros, alegre.
No mesmo instante, cruzava a floresta, um jovem rapaz acompanhado da sua matilha e do seu arco e flecha, à caça de qualquer criatura que surgisse na sua frente. Chamavam-no de “Pisco Valente”. Ao contrário dos outros miúdos da sua idade, Pisco Valente preferia a companhia dos seus cães à dos outros jovens da sua aldeia. Apesar do seu porte pequeno, tinha um olhar destemido e o seu caminhar era firme.
De repente, os seus cães começavam a acelerar o passo e Pisco Valente tentava acompanhar, começando primeiro por alargar as suas passadas até começar a ter de correr para conseguir segurar as trelas dos seus companheiros.
Pensando que a sua matilha deveria ter sentido o cheiro de uma lebre ou codorniz, Pisco Valente corria cada vez mais atrás da sua matilha, ansioso por descobrir o que haviam farejado e entusiasmado por ter uma presa finalmente.
Tanto foi o seu espanto quando, de um momento para o outro, a floresta começou a densificar, a escurecer e o frio a afirmar cada vez mais a sua presença. Intensos arrepios percorriam a pele do pequeno jovem e apesar de destemido, algo dizia-lhe que talvez tivesse avançado demais e quando quisesse regressar, talvez não soubesse muito bem como. Mas a curiosidade e bravura do rapaz subsistiam, nem uma única vez as suas mãos travaram as trelas dos cães, até que estes a certa altura pararam abruptamente e o pequeno rapaz continuando disparado, bateu de frente com algo tão duro e tão frio que juraria ser capaz de penetrar a sua pele.
“Quem és tu?” Perguntou uma voz meiga e doce, enquanto Pisco Valente despertava do seu desmaio. Susteve um suspiro quando, sob a pouca luz que ainda se conseguia fazer chegar pelo topo das árvores, surgiu o que parecia uma menina mais ou menos da sua idade, um pouco mais baixa para seu conforto, mas toda ela de um azul transparente, como se feita de puro gelo.
Pisco Valente não tinha palavras para devolver à criatura magnífica, já nem sentia a dor do embate, o fascínio dominava-o e as suas mãos levantavam-se para tocar no pequeno rosto.
“Tu és de gelo. És uma menina de gelo. Se eu te tocar, tu derretes?” Perguntou Pisco Valente.
“Não o faças, se não te quiseres magoar. O gelo queima a vossa pele macia e eu não quero magoar ninguém.” Respondeu a menina.
Mas Pisco Valente pôs as mãos sobre o seu rosto na mesma, abafando o arrepio que viria depois e observando-a, sorriu-lhe, maravilhado.
Se fosse uma menina de verdade, qualquer rapaz diria ser uma menina linda, com um olhar terno e misterioso e cabelos ondulados suaves. Mas na verdade, para Pisco Valente, a menina de gelo tinha sido a coisa mais magnífica e linda que alguma vez tinha visto no mundo, e a única coisa que queria naquele momento era absorver todos os pormenores daquele rosto que temia não voltar a ver.
Num piscar de olhos, a imagem da menina de gelo que uma vez refletiu no seu olhar desapareceu, e tudo que o passou a rodear era a completa escuridão, acompanhada de uma dor intensa que invadiu todo o seu corpo, no momento em que uma mão puxou o seu braço e o ergueu do chão coberto de neve.
“Pisco Valente, levanta-te! Nunca aprendes rapaz! O que te disse sobre percorrer demasiado a floresta?! Se eu não te encontrasse, nunca virias pelo teu próprio pé! Sabes quantos homens já desapareceram por aqui?” Disse-lhe uma voz familiar.
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