Como cão e gato Eu e a escrita não nos damos lá muito bem… Na verdade, é como se fossemos cão e gato. Mais ou menos… Talvez até haja gatos e cães que convivam melhor do que eu com a escrita… De facto, a maior parte das vezes, andamos às turras uma com a outra. Até parecemos um casal desavindo! Não é que as nossas discussões sejam públicas. Nunca são. Costumam ser muito discretas… Aqui em casa ninguém dá conta das nossas irritações mútuas. No entanto, essa relação conflituosa já tem causado um incómodo tão grande que me vejo obrigada a fazer como se fazem aos cães perigosos: colocar-lhe um açaime! É claro que a escrita protesta, reclama, ameaça, faz beicinho, suplica… põe-se de joelhos, chora. Até tenho pena! Mas que fazer? Não posso arriscar que ela faça precisamente o contrário do que lhe digo para fazer. E não são raras as vezes, quando a mando ir para a esquerda, ela vira à direita! Cabeça dura e teimosa! Como posso confiar em palavras assim, com vontade própria e tudo, que recusam as minhas ordens? No outro dia, ainda pensei aprisionar essas palavras todas, armadas em espertas e sabidas, e mandá-las desterrar para um lugar bem longínquo. Não cheguei a dizer nada, apenas pensei para com os meus botões. Mas eles disseram-me assim: “Não sejas doida! Achas que dessa maneira resolves o problema? Quem consegue viver sem a escrita e sem palavras? Achas que conseguirias sobreviver num mundo assim?” Então, pensei, repensei e voltei a repensar… Não tive coragem para ser assim tão má. Olhei para aquelas palavras adormecidas, aconchegadas no meu regaço, e uma lágrima começou a deslizar, teimosa, pelo meu rosto! Pronto, a batalha estava perdida! Porém, desde essa altura, decidi seguir o conselho dos meus botões: eu e a escrita frequentamos sessões conjuntas de terapia. Não sei se dará certo, mas se não sou capaz de me divorciar dela… alguma solução tem de se encontrar. O psicólogo diz que não é grave e que até são saudáveis umas discussõezinhas… O pior é se deixamos de conversar e permitimos que o silêncio vença. Aí, não haverá salvação possível. Estou a chegar à conclusão que, afinal, não conseguimos viver uma sem a outra! E ponto final!
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