A solidão é sempre menos sentida quando a luz do anúncio de néon do prédio em frente se acende e entra através da persiana semi-aberta, da cortina fina quase transparente, acomodando-se na sala, no tecto, no chão. Os objectos, os quadros, as cartas fora da gaveta, os livros, ganham um novo sentido. Dá-nos um novo olhar sobre as coisas quando pelas paredes escorre a luz espaçada do néon a caminho do chão. Lembro-me que foi numa noite não muito diferente desta, que tudo aconteceu. Os dois deitados no sofá, a luz apagada, a televisão acesa com o som no mínimo, as nossas palavras, os nossos risos. Dizes, vou lá fora comprar cigarros. Eu espero. As horas passam. E tu não voltas, e eu à tua espera. A luz de néon entra na sala. Pensei, não se parte sem dizer que não se volta, parece mal e não é bonito. Mas foi isso mesmo que aconteceu. Nunca mais voltaste. Pensava que a desculpa dos cigarros era só coisa dos homens. Enganei-me. A partir de então, sempre que levava um cigarro aos lábios lembrava-me de ti. Acabei por deixar de fumar. E nunca mais precisei de voltar a usar as bombas de Ventilan. Obrigado Sara.
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