Querer.
Não saber querer.
Gostar de querer.
Não saber como se quer.
A velha questão do homem nascera , também, do cordão umbilical e, até hoje, ficara como dúvida existencial. Consistia em gostar muito de querer, mas sem saber como se quer. Tantas eram as coisas a querer, tantas mais a não saber como se quer, que se atrapalhava na valia de cada desejo ou vontade. Reflectia e filosofava em frente ao espelho e ao copo meio cheio de absinto. Inusitadas respostas ia obtendo de si mesmo. Incomodando-se. Analisando-se. Aceitando e duvidando na mesma medida. Querer tantas coisas e não saber como se quer. Tentar querer. Não saber como. De olhos cerrados e dedos entrelaçados, usava toda a força mental para que o querer se afirmasse convictamente, sem que no último segundo toda a certeza se esfumasse tal como folha de papel queimada, cinzas ao vento. Diante de tudo aquilo que o mundo tinha para lhe oferecer - e eram muitas - ele sabia-o, o homem ficava sempre na dúvida, na incerteza constante. Todos os caminhos que tomava eram uma encruzilhada, escolhesse a direita ou a esquerda, nunca chegaria a lado nenhum porque nunca soube como se deve querer chegar ao fim do trajecto . Optou, ao longo da vida, por ficar no cruzamento dos caminhos da terra, nos caminhos da vida e das decisões. Tinha desdém de si mesmo por não conseguir chegar onde todos, à sua volta, iam chegando. “ E eles sabem querer, sabem como se quer, que posso eu fazer” desculpava-se em frente ao espelho e ao copo quase vazio de absinto. Os livros diziam-lhe que aprendesse a querer, como a criança que aprende a primeira letra do alfabeto e fica feliz. Beckett dizia-lhe para tentar e tentar, falhar e tentar novamente, falhar melhor, tentar melhor; até ao saber como se quer. Pessoa dizia-lhe para continuar por todos os caminhos, mesmo os mais inesperados; mesmo que fosse apanhado em flagrante delito com o copo de absinto em riste, deveria continuar a tentar querer e, terminando, disse-lhe: mesmo que te chamem de louco, ri-te, gargalha bem alto, AH AH AH. E ainda mais te digo meu caro: “o êxito está em ter êxito, e não em ter condições de êxito.”Da tabacaria, Álvaro sussurrava-lhe ao ouvido: “sempre uma coisa defronte da outra, sempre uma coisa tão inútil como a outra, sempre o impossível tão estúpido como o real, sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície, sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra” e terminava: come chocolates rapaz e, não deites a prata fora como eu deitei a vida. Da estante mais alta Rousseau elevou a voz “o que precisas na verdade não é fazer o que queres, mas não fazeres o que não queres” procura como saber querer. Como se ganhasse vida, o livro de Assis lança-se aos pés do homem, ficando aberto numa página ocupada apenas por uma única frase, o homem debruçou-se para conseguir ler “Tudo é aliado do homem que sabe querer.” Apanhou o livro do chão, releu a frase novamente, olhou em volta, o silêncio tomara conta daquele momento como se tratasse de uma chamada de atenção, ou de uma quase verdade absoluta. Fechou o livro e devolveu-o à estante. Sentou-se com o silêncio, sentiu o peito apertado, a insegurança e o medo flutuavam na sala, o homem apressou-se a encher o copo de absinto e a aproximar o espelho para perto de si, um ritual que o acalmava. Respirou fundo e deixou-se ficar por alguns minutos naquela procura de paz. Mais calmo, levantou-se, vestiu o casaco, o chapéu na cabeça e a bengala na mão esquerda, saiu para a rua. A frase de Assis presa na mente. Sentiu uma nova coragem, um novo querer, uma maior vontade. Só lhe faltava descobrir como saber querer. “Parece que tudo está no caminho certo, finalmente” pensou o homem, sorrindo.
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