Há muito tempo que não falava sem ser interrompida. Há muito tempo que não via alguém a olhar para mim tão concentrado naquilo que eu dizia. Mais. Muito mais do que isso. Há muito tempo que não sentia alguém tão concentrado no que diziam os meus olhos completamente inundados de água, que muitas vezes olhavam o vazio à procura do que agora me falta. Alguém que não me interrompeu uma única vez, que não me pediu que parasse de chorar. Como se ele soubesse que eu precisava de dizer aquilo, como se ele já conhecesse o meu sentimento de culpa, como se ele soubesse que sinto mais falta do que mágoa, como se ele soubesse que as noites têm sido o mais difícil de suportar. E na verdade ele sabe. Por isso se manteve quieto a observar-me. Como se não existisse mais nada à volta, como se só o que eu precisava de despejar de dentro de mim fosse importante. Por isso ficou quieto dentro daqueles olhos cinzentos a absorver todos os meus sentidos. Porque ele sabe melhor do que todas as outras pessoas de que matéria é que sou feita. Porque na verdade ele nunca se esqueceu. Nem eu. Só já não me lembrava que olhassem para dentro de mim daquela forma.
Marisa Martins
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