Pediram-me para pensar no que me fazia feliz e eu imaginei-te a sorrir. A olhares pela janela, de manhã, e a dares os bons dias ao mundo. Como se o céu te pertencesse. Como se cada coisa que tocasses fosse tua. E regressei, devagar, ao teu corpo. Imaginei-o perto do meu e a fazermos do amor, furacão. Como tu. De jeito bagunçado, que aos poucos vai tentando manter a ordem na casa. E regressei a ti, como quem volta para os braços onde achamos que pertencemos. Aos lugares onde achamos que devemos estar. Mas tu, és a última vez que faço isto.
Voltei a respirar fundo depois de olhar para ti. A verdade é que nada se compara a um coração que bate pelas razões certas. Tiravas-me o sono e deixavas-me menos amargo. Aprendi a gostar de ti quando me ensinaste a ter paciência com os meus defeitos. E os aceitaste como se fossem as minhas maiores qualidades. E eras minha, porque a tua pele se arrepiava com o meu toque. Quando me deitei contigo, naquela noite, as tuas gargalhadas ainda confessavam as borboletas que sentias. E a maneira como me olhavas, não há nada a discutir, porque os olhos nunca mentem. Eras minha, naquela noite. Mas depois. Depois?
O café arrefeceu. A sala ficou cheia de um silêncio que me estourava os tímpanos, quando saíste por aquela porta. Não foi o fim do mundo, mas algo em mim morreu. Naquela noite, colocaste sozinha o ponto final, numa história que construímos os dois. E não tive a puta da coragem de querer perceber porquê. Não corri atrás. E deixei-te ir. Porque sempre ouvi dizer que quando um não quer, o outro vai dançar. Mas tu querias. Os teus olhos confessavam-te. E o teu corpo também. Não sei o que te assustou. Se fui eu que te fiz longe. E hoje estás. Provavelmente a encher outra sala com as tuas gargalhadas. Provavelmente com outra mão a passar-te pelas cicatrizes que tens nas costas. Fugiste-me por entre os dedos e eu não tive a puta da coragem de te impedir.
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