É mais do que notório que Lisboa nada seria sem o Tejo, tal como sucedia nos tempos da velha Olisipo, já que é junto à água e mais concretamente à faixa litoral que se localizam quase todos os testemunhos de culto existentes neste território.
Ainda que o elemento água não seja necessariamente o objecto de culto em si, ele é por certo a condicionante fundamental para a implantação populacional. Quer se esteja relativamente próximo da zona costeira, quer se esteja mais para interior, é a proximidade das correntes de água ou mananciais, o elemento determinante do modo de vida nesta zona do território deste os tempos remotos até à actualidade.
Claro está que o elemento Natureza é sempre ultrapassado pelo elemento artificial, determinante na forma de vivência do espaço urbano.
Na azáfama do dia-a-dia, o homem da cidade grego, romano ou indígena romanizado, dividia-se em inúmeras tarefas, mal tendo tempo para respirar. No fundo, as coisas não diferiam muito dos nossos dias! Mas ainda lhe restava tempo para si, para a su religiosidade, ainda que notoriamente forçada e condicionada pelas modas que traziam os novos deuses romanos e orientais que desembarcavam no cais a toda a hora.
E lá vinha a grande Cybele de mão dada com Mercúrio, aconselhando os comerciantes e os viajantes a serem pudentes ao meterem-se ao mar.
Mas o Homem não é prudente e só na sua réstia de energia se apercebe da importância do seu bem estar.
E lá encontra Aesculapiys pacientemente à sua cabeceira, segurando a mão que pende trémula, ouvindo os queixumes e histórias intermináveis sobre os seus feitos gloriosos que o grande Iuppiter apoiou auxiliado por Apollo, concedendo-lhe a sabedoria e a eloquência nos discursos de vitória.
Conta também como alcançou a Concórdia e estabilidade do Império, o que também não seria possível sem que Diana estivesse por perto.
E o homem que se prostra moribundo na sua cama já não é mais um. São todos os homens da cidade! Todos aqueles que correm agitados e frenéticos em busca de um sentido para as suas vidas enquanto acorrem a deus desesperamente nos seus pensamentos. Deus? Mas qual deles? A quem recorrer neste momento de aflição?
E eis que surge engalanada uma epígrafe, consagrando votos, estropiando males, diminuindo o peso na consciência.
E a tudo isto os deuses observam e atendem pacientes no seu leito celestial.
E no campo? No campo os desejos dos homens não são diferentes dos desejos dos homens da cidade. É a busca da felicidade no suceder da vida aquilo que se pretende. A única diferença é que esta é mais simples, mais vivida, quase palpável na proximidade da relação entre os deuses e o Homem! Quase se pode ouvir um diálogo em cada epígrafe que se encontra. E se estivermos bem atentos, até um abraço de alento podemos observar!
Ainda que não diferente porque, por muito que o Homem tente não pode fugir à própria vida, é no campo que esta se reflecte mais. É aqui entre as populações autóctones e até entre o cidadão romano que escapou às garras do monstro que é a Cidade, é o elemento Natureza que se torna a determinante fundamental.
É a indígena que adora a Fons, outra que invoca o seu Genius, notando que a romanização já por aqui passou, e a outra ainda que consagra culto a Bandua, divindade pouco consagrada por estas bandas, mas onde o facto de se estar numa zona interior, foi certamente uma condição determinante para a difusão desse culto.
Mas os deuses romanos também dão o ar de sua graça! E lá temos o senhor que venera o Grande Deus Iuppiter, pai de todos os deuses. E que melhor companheiro se poderia desejar?
E ainda a Grande Deusa Mãe que também pelo campo passou e que não foi esquecida por aqueles que a servem.
E tantas outras divindades trazidas daqui e dali, testemunhando realidades de outros sítios, ideias de outros lugares: Ilurbeda, Kassaecus, Triborunnis, Aracus Arantus Niceus e Mermandiceus.
E, o cimo de tudo, o Sol e a Lua, que não eram vedados a ninguém, conquistando do mais nobre imperador ao mais plebeu dos homens, mostrando a estaes quão frágeis são e quão perecíveis perante a imortalidade dos elementos.
O desenterrar deste passado tão remoto vai-nos lembrando, a pouco e pouco, das grandezas de outros tempos e gentes que já lá vão, que viviam, sentiam e pensavam como todos nós, gravando na pedra um testemunho para toda a eternidade.
Ana Resende
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