Não há duas mulheres iguais, nem as gémeas o são, nasceram a horas diferentes, inda que por vezes com escassos segundos de diferença, além de que tiveram ao longo da vida experiências, dores, vivências e alegrias diversas que cultivaram nelas caracter e personalidade própria a cada uma.
Mas cada uma das mulheres deste mundo cultiva uma peculiaridade que sobressai aos nossos olhos, ou ao nosso coração, e que a torna diferente das demais. Podemos dizer nesse caso que essa mulher é única, é única nesse particular, nesse aspecto, nessa peculiaridade, e é única para nós que a olhamos, porque tal como a questão que o meu amigo Cainha aqui levantou há uns dias, observador e observado influenciam-se mutuamente, interagem a ponto de um poder modificar o outro, e, o que eu vejo na faceta que tal objecto da observação me mostra, outros poderão não ver e até talvez vejam nele perspectivas que eu não lobrigara. Portanto, também a mulher objecto de observação (não mulher objecto), será, em determinado momento e para quaisquer indeterminadas pessoas um ser único, uma pessoa única, uma mulher única entre os 4 biliões de mulheres que compõem este planeta. Não, não sendo nenhum fenómeno, não deixa de ser coisa fenomenal.
É neste quadro, ou sob esta perspectiva, que todas as outras qualidades que essa mulher possa possuir, e os defeitos, ou deméritos, passam também a ser, para esse mesmo tal observador, aspectos secundários, menorizados, a que ele jamais dará importância, pelo menos não lhes dará importância suficiente para ofuscar o que nela vê de único. Enquanto ela mantiver a peculiaridade que aos olhos dele a tornou única, manter-se-á única, perdida essa particularidade todos os méritos se perdem com ela, perdido o encanto, diria então que perdeu a graça, ou deixou de ser engraçada, já que neste mundo mais vale cair em graça do que ser engraçado, como todos bem sabemos.
Esta retórica filosófica de hoje nasceu à mesa do café, pois logo cedinho o sol aqueceu como na Grécia e as cervejas escorreram goela abaixo colmatando uma canícula que não se sentia há mais de 80 anos, grita o cabeçalho do jornal que o Amadeu Coelho vem arvorando na mão mas, fosse qual fosse a tirada, de nada teria valido ao Amadeu já que de imediato alguém que o conhece bem lhe atirou:
- Não venhas com merdas porque qualquer que seja o assunto não te sentas aqui na mesa sem primeiro mandares vir uma rodada, já te conheço suficientemente bem, e nem sou nenhuma das tuas mulheres…
Estava entornado o caldo, não porque a Amadeu Coelho fosse bígamo, que o não era, verdade que tivera várias mulheres, ia na quinta, mas diga-se em abono do desgraçado que apenas uma de cada vez. O caso é que o facto de o Amadeu já ter sido casado tantas vezes lhe pesava, ele era daqueles que não se contentava com o que numa mulher a tornasse única, para ele todas seriam únicas, e nesse particular as quereria a todas só para si, ainda que a malta o castigasse amiúde com picardias do género;
- Tu não podes ser bom, pois por onde tens parado todas têm corrido contigo.
Ao que ele contrapunha que buscava e continuaria buscando enquanto a saúde e a idade lho permitissem, a mulher ideal, que, sem êxito, há tanto tempo buscava sem que a encontrasse. Embora de poucas falas a Carmelinda nunca perdia a ocasião de lhe atirar à cara:
- Nas Caldas, manda fazer uma de barro e a desejo nas Caldas. (Caldas da Rainha, apresso-me a esclarecer antes que vossas senhorias dêem outro rumo à conversa e que ela não tinha, ou será que tinha ?). E rematava emborcando de uma vez a caneca, ou o copo, dependendo do que tivesse à frente, levantando-se e atirando ao Amadeu Coelho já de abalada:
- Olha ó perfeitinho, já agora paga a conta, que é para que pelo menos uma vez na vida alguém te veja a cor, aposto que nem as mulheres por ti tidas a viram meu Coelho de merda…
Nunca havia discussão, por muito que o Amadeu ficasse a espumar e vermelho de raiva a Carmelinda sumia-se num instante pelas escadas do prédio, paredes-meias com o café. Consta-se que certa vez que tendo ele ficado sozinho na esplanada ela lhe atirara um alguidar de água acima, mas a verdade é nunca se ter apurado de que andar a trovoada caíra.
A questão da mulher única, única entre os quatro biliões delas que o mundo carrega tem muito que se lhe diga, estudos demográficos e matemáticos reduzem esse mundo por vezes a uns escassos milhares ou escassas centenas, quando não meras dezenas… Está provado que escolhemos a mulher única geralmente no nosso mundo, e o nosso mundo é a nossa cidade, a nossa vila, a nossa aldeia, e por vezes o nosso bairro, a nossa escola, a sala de aulas, uma turma, o escritório, a fábrica, ou o café frequentado, e mesmo aí nesse circunscrito universo, fazemo-lo geralmente dentro do nosso escalão social, cultural ou económico. Não há duvida que os predicados da mulher única ficam agora circunscritos a uma galáxia de possibilidades ou escolhas muito mais reduzido, mas igualmente o olhar delas sobre nós, que pudendo recair noutra dimensão provavelmente lhes daria também a elas a hipótese de encontrar alguém com muitos mais pergaminhos, alguém com mais interesse ou interessante que nós para ser mais claro. Que isso nos sirva ao menos para cultivarmos a modéstia, haverá por aí bué de milhares de homens por quem as nossas queridas e únicas mulheres nos poderiam trocar sem pensar duas vezes, vale-nos o facto de o amor ser cego, ou cegar… Parece que com o Amadeu Coelho elas abrem os olhos bem cedo e se metem a milhas, alguma qualidade escondida ele terá que a malta ignora…
São tantas as coisas que perante nós poderão fazer de uma mulher única como mulheres há neste mundo, há gostos para tudo, dos olhos profundos ao nariz arrebitado, da covinha no queixo aos seios empinados, ao sinal na face, ou ao cabelo, penteado ou despenteado. Pessoalmente gosto de mulheres modestas, minimamente cultas (muito cultas não, geralmente ninguém dá conta delas, nem na cama são grande coisa, sei do que falo, tive uma assim),* mas há quem as adores pretensiosas, e até dominadoras. Como disse há gostos para tudo e desde que isso não prejudique ninguém, nem nos mate, tudo bem…
O meu amigo Ramires, que enterrámos o ano passado e sobrevivera apenas dois anos à morte da extremosa esposa, faleceu devido à ausência dela, todos nos o sabemos. A amiga Mavilde ia muito além do papel da devota esposa do saudoso Ramires, a Mavilde era mãe dele e sem ela sentiu-se perdido. A terna Mavilde dava-lhe colinho, e mama, não era segredo para ninguém, provavelmente o Ramires já a elegera pelos seios fartos, talvez lembrando-lhe a mãe, sei lá, essa senhora não a conheci eu, este cenário é coisa que imaginamos e até já discutimos todos à mesa do café, e quando digo todos refiro-me à roda de amigos (e amigas). Temos de comum e pacífico que a primeira vez que a Mavilde lhe terá dado ordens após a mama conseguiu o pleno, dois em um, tornando-se para o Ramires a mulher única, a mulher dos seus sonhos, seios fartos, mãe autoritária, epicentro de segurança. Ela morrera de acidente coitada, uma distracção e caíra no poço do elevador da Misericórdia, mas ele morreu de saudades, da falta dela, e todos sabemos quanto e durante tantos anos ela o fizera bem feliz.
Não se casou o Cesário com a Martinha por se ter apaixonado o vê-la fazer bolos caseiros ? Não resistiu ao cheirinho e há pelo menos duas décadas que se enfarinham mutuamente, felicíssimos !
A sensualidade tem razões que a razão desconhece, agora não, e nem o faço por uma questão de respeito, mas sim porque mudei, as pessoas com os anos mudam, vá lá, concedo que o faço também para a não recordar, nesse aspecto ela fora única, e não posso dizer que a dezena de anos casados não tenham sido de amor e felicidade, a coisa ficava entre nós, não extravasava, a Rorinha adorava gritar, guinchar e falar mal, sim, largar palavrões, abusar do vernáculo quando na cama transmutava-se, e transmutava-me a mim. Faleceu numa ocasião dessas, com uma arritmia que a fulminou. Fui muito feliz com a Rorinha, o senhor lhe tenha em descanso a alminha. Não a teria trocado por nada nem por ninguém, mas o apelo do Senhor falou mais alto…
Gosto da que tenho agora, com quem me dou maravilhosamente, com quem embirro casualmente, que me azucrina, a quem espeto alfinetadas, pico, e com quem me zango de vez em quando. É girinha, mais para o pequeno que o grande, adoro-lhe sobretudo os cabelos, os olhos, os lábios, o sorriso, é divertida e alegre qb, e uma boa amiga, sendo sobretudo terna, amorosa e querida. Soube tornar-se numa mulher única, e atura-me, o que não deve ser nada fácil, se bem me conheço.
E vocês que têm de único para oferecer ?
* Nota: este parêntesis não se destina a contemplar as minhas amigas que amiúde me sarrazinam a cabeça com críticas descabeladas, aliás, nem perceberiam a piada.
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