Eterno príncipe

Luto contra a corrente que me atinge feroz. O som do telefone corrompe-me, não suporto o som. Não tenho um bom pressentimento. Odeio a platéia que me vigia os passos, as lágrimas que me rolam da face com vontade própria. O cheiro a hospital deixa-me nauseada, mas percorro o corredor à tua procura. Enquanto caminho relembro a nossa noite de ontem, o teu sorriso apaixonado, quando te ajoelhas-te e disseste – Aceitas casar comigo? Eu sorrio agora, amo-te tanto e temo o pior. Ouço os bips da máquina que diz que o teu coração bate. Olho para ti, parece que só estás a dormir serenamente. Aproximo-me relutante com algum medo, confesso. Acaricio-te agora os teus cabelos pretos, mas não posso ver os teus olhos verdes nem o teu sorriso. O meu coração acelera e seguro-te a mão imóvel com a intenção que me sintas, meu amor, que não desistas de viver. Beijo-te a mão e conto-te como é insuportável o dia sem a tua voz. Lembras-te de me perguntares quase troçando de mim, se eu não conseguia passar um dia sem te ouvir, nem que fosse ao telefone? Pois bem, eu menti quando disse que era só para te controlar. Tu riste-te de mim, é claro. Na verdade, eu não conseguia dormir sem ouvir a tua voz antes. Era como se, eu fosse uma criança e me embalasses para não ter medo dos pesadelos. Mas agora estou a viver o pesadelo. Ouves-me? Sentes-me? Na viagem vi um vestido de noiva lindíssimo! Eu quero parecer uma princesa para ti. Eu quero ser a tua princesa eternamente. Eu quero que sejas o meu príncipe. Que se dane, quem não acredita em príncipes! Eu encontrei-te. Ou foste tu, que me encontras-te?
Uma voz interrompe a minha conversa. Respiro fundo, não gosto de ser interrompida em nada, mas sorrio ao lembrar do que dirias «ficas linda, sem paciência». Olho para trás, na direcção da porta.
– Sim? – Olho para o meu irmão que não diz mais nada. Apenas olha para mim em solidariedade à minha dor. Ele sabe que eu não gosto de ouvir as palavras. Sinto a sua tristeza também, porque o meu namorado é o seu melhor amigo. Aproxima-se dele e solta um – Seu otário, sempre a querer chamar atenção! Ainda temos o jogo de futebol para discutir!
– Vocês não mudam! – Reclamo. Afastei-me deles e não deixei de sorrir. Ele tem de acordar e manda-lo calar-se como sempre fez.
Alguns dias depois…
Estou num jardim, vejo-te num altar estendendo-me o braço para eu ir ter contigo. Olho para o meu corpo, estou com o vestido de noiva de que te falei. Volto a fixar o meu olhar em ti, tu sorris-me. Avanço na tua direcção devolvendo o teu sorriso. As minhas pernas parecem lentas, nunca mais te alcanço. Tu continuas a sorrir-me. Como adoro o teu sorriso. Sinto o teu perfume daqui. Já falta pouco para ser a tua princesa. Sinto o meu coração a querer sair do peito. Amo-te tanto, digo ao alcançar-te a mão quente. Ouço uma voz:
– Acorde! Tem de se retirar. – Acordo em sobressalto enquanto dois enfermeiros me puxam para fora do quarto. Dou-me conta que sonhei. Olho para a máquina, olho para o meu namorado. O desespero bate.
– Ele não está a respirar! – Grito desesperada, enquanto me arrastam para fora daqui. – Oh por favor, deixe-me! Ele não pode deixar-me… ele não pode! Tentam acalmar-me mas não consigo. O que se faz quando o coração quer ir junto?
Algum tempo depois confirmam-me a tua morte. O teu coração parou, mas o meu não. É tão injusto, meu amor! Eu senti quando o teu coração parou, mas não acordei… Eu senti o mundo desabar a meus pés, quando te arrancaram de mim. Olho-te agora. Estás imóvel. O teu rosto sereno não apazigua a tua luta para ficares. Não conseguiste, meu amor… Descansa agora meu eterno príncipe, porque um dia irei ter contigo. Prometo-te isso.