Adorava que a simples consciência da tua existência não constituísse o peso mórbido que me sufoca a epiglote. O peso do desejo ávido em ter-te como exclusivamente minha. O peso da consciência traidora que tende a ceder a uma tentação humanamente impossível de se resistir. E é apenas a tua existência que me provoca este peso. Um peso que não me importa transportar porque me sabe bem senti-lo. Provoca-me suores frios que me sobem lentamente pela medula-espinhal, do cóccix à Atlas, desviando a cada apófise espinhosa, moldando cada corpo vertebral, definindo cada acidente anatómico. Arrepia-me os folículos pilosos que se elevam em pino no ar, mergulhados na epiderme rosada e ofegante, tímidos do teu olhar penetrante, receosos do poder que exerces sobre eles de uma forma inconsciente e insegura. Receosos de criarem uma dependência com apenas uma suave inalação dessa essência que te torna encantadora em cada ângulo que te define. Uma magia que impulsiona uma vontade incontrolável de te percorrer cada detalhe, cada circunvolução dessa mente tão apetecível de se descobrir, de se explorar, de se provar. De percorrer contigo o mundo, conhecer continentes inteiros, saborear paladares anónimos, fotografar momentos e instantes na memória que só a nossa retina sabe captar e tatuá-los no pericárdio a tinta permanente que nos invada as aurículas e os ventrículos com um antídoto que nos aquece as artérias e nos vicie de nós.
É a síndrome de abstinência desse vício que me faz surgir. Acabo por surgir como um pingo de chuva numa tarde de verão porque não te evaporas do meu cérebro. Mesmo que tentes dissipar-te de mim, eu consolido-te comigo no meu subconsciente. Este subconsciente que me atormenta a razão e me desvia o foco para esse brilho que me deslumbra sempre que o imagino a existir, simplesmente.
Manténs-me por instabilidade condenada pela tua insegurança, uma instabilidade que me prende a uma espiral de confusão, orientada por emoções que se afundam na dúvida eterna de que tipo de impacto a minha dúbia existência provocará em ti, nesse teu ser tão indeciso, tão inseguro e tão frágil de si. Um ser que se resguarda em medos que o impedem de definir, de decidir, de arriscar após descobrir, explorar e provar. Um ser que tem medo de ser.
Adorava eliminar a consciência de que existes, mas nunca a tua existência. Adorava que eliminássemos mutuamente o medo de ser, embora seja esse medo que genuinamente nos torna cúmplices de nós.
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