A amante

O homem afastou ligeiramente a sua cabeça da almofada dela e observou-a, atentamente, de alto a baixo, focando-se essencialmente nas curvas volumptuosamente femininas, tentando reviver o momento intenso de há momentos atrás.
' Foi bom, hum? Que achas?'
' Sim.' - respondeu breve, num tom marcadamente de indiferença. Nada disso lhe interessava verdadeiramente. Nada disso tinha valor. 
Pensativa, esticou o seu braço, pálido e delgado, até à mesa de cabeceira, e remexeu no relógio encarnado oferecido pelo velho do seu patrão. O homem acabado, não conformado com a idade já avançada, sem escrúpulos, perverso, grosseiro, sem maneiras, com uma família aparentemente feliz traída constantemente. Um homem com fetiches horrendos, fantasias macabras, vícios perturbadores e obsessões neuróticas. Nojento e louco. Compulsivo. Degradado de espírito, mas não de carteira. Assim ele julgava que era capaz de comprar e subornar o mundo, manipulando-o como desejasse. 
' Afinal nem estou assim tão mal. É porque ainda estou em forma!' - regozijou-se, soltando uma gargalhada pesada. 
Ela, ignorando-o completamente, levantou-se lentamente da cama e vestiu sem pressa o fino roupão branco de seda, que repousava na poltrona ao canto do quarto. 
' Agora está na hora do jogo!'.
Ela olhou-o de soslaio, por cima do seu ombro, desconfiada - ' De que está a falar...?'
' Boneca, estás a esquecer-te do presente de hoje!? Procura-o!'
Notou a expressão satisfeita e entusiasta e rolando os olhos, não conseguiu esconder o profundo ar de enfado. Trancou-se na casa de banho por instantes, e, de seguida, procurou o possível embrulho pela suite inteira. 
Na chaise longue, parcialmente escondido debaixo da roupa interior masculina, encontrava-se um envelope com um pequeno e requintado laço dourado. Katleen abriu-o cuidadosamente. Segundos depois, incrédula, abriu excessivamente os olhos: dois bilhetes para uma viagem de dez dias às Bahamas.
Do quarto ouvia-se vagamente a voz grossa - 'Eu sei, vai ser uma viagem incrível. Só tu e eu, princesa. Teremos todo o tempo do mundo só para nós, com vista para o paraíso!'.
Cogitando melhor, sem recorrer a fascínios e ilusões momentâneos, aquela viagem de repente afigurou-se-lhe o inferno na Terra. Percebeu que teria de fazer algo para que não fosse com ele... ou com que ele, por qualquer razão, não pudesse ir...