ego

 

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Portuguese

Papiro de Sol
Dá-me as cartas
As tuas cartas
Que à minha alma pertenciam.
Dá-mas. Prometo amá-las sem as abrir.
Vou selá-las com lacre de sangue.
Emoldurá-las com pele de marfim
Saberei que são tuas. Dá-mas.
Talvez elas perpetuem a minha mágoa.
Talvez nelas eu encontre o meu ser.
Sinto o aroma a alecrim e alfazema.
Dá-mas. Aquelas cartas que tu rasgaste.
Aquelas que transformaste em cinzas
E em pólvora nas minhas entranhas.
Dá-me as cartas, aquelas que eu te escrevi.         (2014.04.18)
 

Pedra lilás
Tela, cor, pincel.
Suave ilusão em tons de pastel.
Leve, lento, luar.
Ténue sensação de gritar.
Negro, pálido, alecrim.
Querubim com asas de cetim.
Pluma, partitura, navegação.
Sinto a espuma na rebentação.
Longe, horizonte, jardim.
O meu pulsar é tintura carmesim.
Camélias, orquídeas, limão.
Danças malditas, doce tentação.
Sonho, cascata, diamante.
Ser pintor é ser amante.        (2014.04.19)
 

Fio dourado
Parti.
Para as montanhas longínquas.
Fugi.
De uma teia de trivialidades.
Corri.
Em direção ao destino.
Renasci.
Para um novo começo.
Sorri.
Da magia a entrelaçar-se nas minhas mãos.
Vivi.
A pensar que tudo isso podia acontecer.       (2014.04.19)
 

Ampulheta de vento
Hoje sonhei contigo.
Era um sonho de areia, com ondas e maresia.
Esperaste-me nas dunas
Com algas verdes na mão
De gesto bucólico e caracóis de carvão
Contemplavas o dia e o movimento do sargaço.
Imaginava-me ali, com búzios no regaço.
Contavas lindas histórias à arriba que se despia.
Eram as nossas memórias
De um tempo que jazia.
A noite adormeceu.
E esse sonho o sono levou.
Mas continuaste à espera
Do que nunca chegou.         (2014.04.20)
 

Oceano de papel
Trabalhar um poema é vivê-lo.
Dar-lhe um pedaço de alma.
Sofrê-lo.
Porventura lança-lo à sorte
Sem loucura ou razão.
Guardá-lo até à morte.
Fazer dele uma paixão.
Dar-lhe um sonho e esperança.
Incendiá-lo de vida e luz.
Guiá-lo na bonança, Fantasma vil que seduz.
Encerrá-lo a nove chaves
Camuflá-lo de ilusão.
Um poema não morre.
Adormece no coração.         (2014.08.17)

Desconhecida
Poder ser eu, sendo tu.
Roubar-te as lágrimas
De quem sofre sabendo quem é.
Revoltar-me, voltando ao teu reflexo.
Confundir-me por dentro,
Rever-me por fora.
Virar-me ao acaso
No engano de não ser o que sou,
Ser o que és.
Soprar-te as cinzas de quem foste.
De quem fui o que tu és.
Poder ser eu,
Sendo tu.        (2014.08.23)

Tinta indelével
E um dia…
O Sol da terra virou-se para o mar…
Todas as aves sibilaram a tua morte.
E um dia,
Quando as nuvens ainda eram negras,
A alma sadia perdeu-se no vazio.
E um dia,
O pó argiloso da tua face
Fez sulcos profundos na minha alma.
Quiseste assim. Um dia.
E um dia,
Esse dia…
Chegou.         (2014.04.18)

 

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