Dois cigarros, dois suspiros, mais um cigarro, outro suspiro, um gole. Esta bebida barata dá-me náuseas. Aperto o cigarro com força contra o cinzeiro, olho em meu redor – que ódio a este cubículo. Tenho que encontrar outro sítio para viver, outro lugar para ficar, onde as coisas ainda não estejam cobertas com o meu cheiro, com a minha essência, onde o meu corpo e a minha alma ainda não estejam por completo expostos à miséria. O meu corpo está encolhido a um canto do sofá, as cinzas do cigarro caiem para o chão, o copo de vinho tinto na outra mão, música ligada, lágrimas a escorrerem pela minha face. Eu estava vazia e esse vazio começava a torturar-me o estômago, que era antes habitado por borboletas esvoaçantes dos mais diversos tamanhos. Pós-borboletas, pós-felicidade, a sombra e o escuro pousaram sobre o meu corpo antes que eu pudesse prever. Foi mais ou menos por volta desta altura que um furacão passou e anunciaram – ‘’ a pior das catástrofes ‘’. O riso ecoou – ahh eles deviam ter visto quando tu passaste por aqui. O meu coração ficou despedaçado em mil e eu não sabia como reconstruir o que tinha sido outrora um volume, uma caixa vibrante dentro de mim. Tudo o que sobrou era nada mais do que uma caixa vazia. Merda do tempo, destrói tudo. À medida que este avança mais as coisas se aproximam em direcção à destruição. E eu senti que não conseguia suportar mais esta angustia que me envolvia. É definitivamente estranho. Tu és tu, uma certa pessoa, consideras saber quem és e sentes conhecer-te. E de um momento para o outro alguém chega e rompe com todas as barreiras mentais, emocionais que consideravas ter, rompe com todos os preconceitos que tinhas e com todos os limites. Essa pessoa chega e muda quem és, para sempre e nunca mais serás quem foste, pois esse ser humano tem um impacto tão forte que te transforma. Tudo o que achavas conhecer em ti, foi-se. E mudas assim, sem te dar conta e por causa de alguém que até à bem pouco tempo te era estranha, mas mudas, sim, enquanto ser, para sempre. Mas o que acontece se era mesma pessoa te abandona entretanto? É aí que a angustia te envolve e o teu corpo não quer mais do que estar escolhido como se te estivesses a segurar a ti mesmo, ou isso, ou cais. A questão é que e se por momentos caísses e nesse buraco fundo e escuro encontrasses a revolta? A revolta também ela te transforma enquanto ser. Lembro-me quando essa transformação ocorreu. Eu ia na rua, mini-saia, crop top, óculos, new balance,e lá ia eu. O meu olhar cruzou-se com um daqueles rapazes a que ninguém resiste e lá fomos nós. Para onde? Não sei, não me recordo, de certo que fomos para um sitio imundo – este foi o inicio de meses de orgasmos fingidos, gemidos forçados, mas sexo, esse, não faltava. Tudo o que fosse para me conseguir abstrair. Quando eu ficava nua a minha alma contorcia-se e escondia-se. Ela não gosta desta vida carnal que eu levo, tem vergonha do quão suja me consigo tornar, tem vergonha do que dirias se me visses assim. Se eu estou com alguém na banheira, enforca-se no fio do chuveiro. Se estou no décimo andar de um quarto, ela sobre mais dois e atira-se. Será possível compreender as dezenas de vezes que eu morri durante o dia a tentar esquecer-me de ti? Será que alguém percebe o conflito que vivo? O silêncio prevaleceu por breves momentos. Por segundos a minha mente parou – um, dois, três bafos no mesmo cigarro, um gole no vinho tinto rasca. O meu corpo encontrava-se arrepiado, encolhi-me mais um pouco e meti a cabeça entre as pernas. Naquele momento tudo parou e nada se ouvia, e foi assim que a minha mente voltou a divagar para o além. Sentia-me a beijar-te. Tudo o que naquele quarto pouco espaçoso e desarrumado interessava e importava eram os meus lábios colados aos teus, era a tua língua a molhar suavemente os meus lábios, que agarravam e trincavam esporadicamente os teus – Todos os pedaços do meus corpo desejavam ter-te sobre mim, beijando o meu pescoço, descendo pelo meu corpo nu. Queria-te só para mim. Imaginava todas as maneiras de te possuir. Queria cada cm, cada mm de ti, do teu corpo. Agarrava-o com força contra o meu, sentia-te minha. Hoje porém, encolhida neste sofá, fumando o meu camel, entendi porque nunca te conseguirei possuir. Entendi porque te foste embora – és o vento, e a brisa que por mim passou, tornou-se num vendaval e deixou marcas. Tu marcaste-me e eu ansiava todos os dias por esse vendaval que me ia possuir a alma e o corpo. Queria, quero ter-te de uma maneira incontrolável. Mas o vento nunca fica, é sempre momentâneo, desvanece-se. O meu corpo treme e estremece quando para para ter noção que te foste embora tão cedo. Não te tenho aqui, e a razão pela qual me encontro em agonia, em desespero é que encontrei em ti um refúgio. Sonho contigo a penetrar a minha alma enquanto me penetras com esses dedos esguios. A minha alma, essa sim, geme de verdade a pensar em ti. Desespero porque me encontrei em ti e me perdi em ti. Quero, queria que tivesses ficado. Mas eu entendo, tu és o vento, não te posso possuir, nunca te vou possuir, o teu corpo talvez, a tua alma nunca. O meu corpo arrepia-se e contorce-se só de pensar que já te perdi à tanto. Os meus lábios começam a ser molhados levemente pelo que espero ser a tua saliva desses teus quentes beijos. Espero abrir os olhos e ver os teus olhos verdes enigmáticos, com contornos de negro carvão, colados aos meus. Mas não, desta vez os meus próprios olhos são a fonte de água que encharca os meus lábios. Eu entendo que não quisesses ficar enjaulada, afinal, tu és o vento. Mas eu não te queria prender. Eu queria dar-te a perder dentro de mim, da minha alma, de quem sou. Cada célula do meu corpo implorava que me desse a conhecer-te, que me entregasse a ti. Mas tu foste-te embora, e tudo o que deixaste foi o meu corpo que parece inteiro, mas o meu coração esse deixaste-o comido, desfeito. Apesar de tudo isto eu queria ter-te aqui. Foder-te. E depois amar-te. Foder-te tanto quanto te amo – nunca mais parávamos. Abri cuidadosamente os meus olhos sem estar preparada para enfrentar a dura realidade com que me ia deparar. O meu corpo deslocou-se lentamente, os meus pés aterraram em solo firme, e senti bem esse embate de volta à realidade. A minha cara era espelhada pela garrafa vazia na minúscula mesa de vidro à minha frente. ‘’ Diz-me que aquela ali não sou eu. Diz-me que não sou aquela puta descabida que não cabe em lado nenhum ‘’ – o silêncio prevaleceu, nada mais. A música já tinha parado, as lágrimas também elas estagnaram, os soluços que advinham do choro já não se ouviam. O meu corpo já não tremia. Foi aí que a solidão me assolou – era um sentimento vazio, física e emocionalmente estava parada. Não conseguia pensar, sentir ou sequer mover-me, por isso fiquei tal e qual estava, perna aberta, cabisbaixa, cabelo curto cobrindo a lateral da minha cara, com cigarro numa mão, e a outra na nuca. E agora? O que acontecia? Eu não tinha ninguém a não ser a mim mesma. Antes eu tinha-te a ti, mas e agora? Estava na merda. Queria ter-te aqui para me amparares o embate, mas eu tinha feito merda, não te podia ter, não te podia querer. Mais um gole, mais uma queca - para o ano tento de novo.
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