São 5 da manhã. A cidade já dorme. Ouvem-se apenas alguns carros passar, muito longe, que fazem perceber que a vida ainda existe neste local. O silêncio é tão infinito que consigo ouvir o meu próprio sangue correr-me pelas veias.
Vagueio pela sala. Tento pensar em tudo aquilo que de bom a minha vida me tem dado, faço uma breve reflexão e percebo que aquilo que de melhor me deu foi também o que depois me tirou.
A tua partida foi para mim, o momento mais doloroso da minha vida.
Encho um copo de vinho e sento-me junto à lareira... olho para o livro que tu lias antes de partires. Ainda está marcado na mesma página em que o deixas-te. Sacudo-o num sopro do pó que o cobre e abro-o.
"Seres passeavam-se pela vida daquele homem, que acabara de conhecer, quem dele faria menos homem, menos ser, menos tudo...."
Lias este livro, sempre. Enquanto eu dormia tu lias. Ainda posso sentir o cheiro da tua pele nas suas páginas.
Com uma mão segurava-lo enquanto com a outra seguravas a minha mão e mexias os dedos entre os meus.
Que significado tem o amor? Marcado e definhado nas recordações de um livro... coberto pela poeira da falta de quem o leu.
Eu velho e absurdo, apenas a viver das recordações, a ver os dias passar, da janela da sala, aquecido pelo lume que me lembra a quentura da tua pele.
E que significado tem o amor, se não te posso tocar, se não te posso ver?
Velho, perdido, doente e amorfo.... será que me querias se me visses assim nesta condição?
Pego na minha bengala e caminho lentamente até à janela. É noite profunda nesta cidade que apenas existiu para que nela tu vivesses.
Ao fundo da rua consigo ver o banco onde tantas vezes estive sentado contigo, sentados os dois, a olhar para o céu.... o mesmo onde agora todas as noites te procuro.
Não há volta a dar....serei teu escravo para sempre. Nem quero libertar-me desta condição, até que a terra decida engolir-me e possamos ter laços de novo... eu e tu de novo.
Bebo mais um copo de vinho... sirvo sempre também um para ti. Não o bebes, mas eu sei que gostas que carinhosamente to sirva.
Deito-me na cama, durmo e tento sonhar.... passas sempre a noite comigo.
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