A Reunião

 

A Reunião

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A REUNIÃO

       Era urgente manter a reunião no seu estado normal. Estava tudo marcado com a devida antecedência. A mesa, redonda, albergava os futuros sócios da empreitada.
À minha frente a pulga Jacinta. Velha glória dos cinemas a preto e branco. Especializada em idosos e crianças. Os primeiros facultavam-lhe a sabedoria, os segundos, a sobremesa. Sangue apenas, costumava dizer, mas sangue com alma.
Ao meu lado direito, com olhar desconfiado de quem albergava uma nação inteira de familiares da Jacinta, o Picasso, cão de água. Único da sua espécie que não sabia nadar. Especializado em ralações públicas, a atestar pela autêntica enciclopédia que era o seu ficheiro no canil municipal. Vadio sim, mas vadio com pedigree. Um senhor, cão claro.
Do meu lado esquerdo...- Desculpem, mas acho que eu como membro mais importante e mais inteligente do grupo, devia me sentar numa das pontas da mesa. Disse, na sua entrada sempre espalhafatosa a melga Margarida.
- Mas a mesa é redonda, senhora
.- Bom... nesse caso acho justo que me sente a um canto.
- Claro Einstein, escolhe um e senta-te. - responde a já impaciente Jacinta, que nunca se dera bem com a melga Margarida nas suas discussões sempre intermináveis de qual o melhor sangue vintage. A Margarida é uma melga importante, ou pelo menos ela crê fielmente na importância de ter chupado o sangue a quatro presidentes da república e a um papa católico. Mas à parte um pequeno problema com álcool, que a faz entrar em delírio a cada dez minutos, era exactamente a sócia que precisávamos.
Bom, como dizia eu antes da entrada da Margarida, à minha esquerda estava o pneu Abreu, meu amigo à muitos anos. Um romântico incurável, casado nove vezes com uma recauchutagem contínua e mais uma vez à beira do divórcio. Amigo André, costumava dizer, as relações com a recauchutagem são desgastantes, somos muito unidos no decorrer da vida mas inevitavelmente acabam por acabar, entende?
Claro que entendia, assim como achava compreensível o amor eterno que sentia por uma câmara-de-ar nossa vizinha.
- Meus senhores e minhas senhoras, chegou a hora de começarmos esta reunião crucial para sobrevivência da nossa espécie. Sei que muitos de vocês não faz a mais pequena ideia de que fazemos aqui, incluído eu, mas acho que só o mero facto de aqui estarmos juntos nos diz exactamente porque aqui estamos.
- EH! Deixa lá de tangas e de me confundir. Porque raio estamos aqui?Bom, eu sabia que era desnecessário explicar a razão, parecia-me evidente, mas como estavam a ser tão persistentes, e antes que a melga Margarida começasse com mais um dos seus ataques de delírio ...
- Meninos, vá lá, todos lá para dentro. Acabou o recreio, está na hora da medicação. Disse a dona do ferro velho na sua sempre repentina aparição na minha sala de reuniões. Insiste em dizer que isto é um manicómio.
Não liguem, é completamente louca.

Rui Henriques

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