A injusta medida das coisas
Na água
Se essas lágrimas fossem água
e nas tuas mãos o repouso da fé
nos teus passos a imperecível certeza de gratidão
e o mundo, esse mundo elástico e devorador, apenas uma ideia
Se tudo isto e mais alguma coragem
seríamos gotas siamesas numa ramagem de outono
refletindo o opulento escarlate dos dias
Para quê substanciais assuntos de imaterial valor sentimental
temos dedos na ponta dos sentidos
até o vento húmido nos serve de gélido agasalho
Olha, as catástrofes são tão prováveis quanto os milagres
O que são desilusões turvas se na água temos infinito
Filigranas
Cheiram a hambúrgueres queimados
tuas palavras
Compramos esta casa
planeada desejada por horas esquecidas
repleta nas suas marquises e m2
os olhares na ampla sala perdem-se-nos
no odor a fritos
e a suor de multidão. Desconforto e membros entorpecidos
por causa da cor cansativa dos azulejos da casa de banho
tão sós que somos
sem eutanásia que nos valha apesar de por demais moribundos
planeamos, no entanto
férias filhos e outras reclamações estéreis de eternidade
Salada russa
Vesti uma camisa cheia de esperanças
e com algumas nódoas
ando ufano por aí, sem espelho na consciência
dobro com agilidade a fé nas esquinas
o trânsito e outros frenesins (como por exemplo: amores cansados)
requentam-me um certo flutuar no ânimo
salpicam-me das cores de um dia banal
poderei encontrar uma renda mais barata
um teto, uma vulgar casa onde repouse a descrença
São meus estes moinhos de vento, pinto-os como entender
Qual Sancho, qual pança haja sola nos sapatos e caminharei
A minha camisa, quase nova, quase velha nela alento um meigo olhar
onde engordo o cinismo
À esperança
Perde-se-me um náufrago
debaixo da pele
Pela fundura dos anos
irremediáveis
uma braçada na planura da crença
Um soluço de homem novo
feito de acasos e omissões
No corpo cansado (pesa-lhe tudo o que não tem)
por fim o escarlate e o negro perfilam-se
belos e puros no estreito horizonte do moribundo
S.C. M.
O olhar roxo
vergado à altiva esmola
gorda e pachorrenta
como se esperasse uma foto
para eternizar a caridade
De humanidade lascada
pelas intempéries
aceita de bom grado
Afinal, a rua é fria
e esta inóspita umbreira
não é melhor do que um murro no nariz
Principalmente de noite
Paradoxo
Na verdade
a indefinição provinha dessa dialética morna
entre comer a pera ou deixá-la amadurecer
o olhar vagaroso do fruto dizia-me ser a hora
a inércia zurzia-me haver dias por chegar
Vagueava incrédulo pelo espírito
procurando na pera a memória onde existia concreta
logo negada por cruéis evidências de que a realidade é fiel
depositária. Tudo o que não fizer, como não comer a pera,
pesará tanto no meu sentir como o seu contrário
tanto ou mais, que a estas contas
nem sempre, nem nunca, se adequam respostas elegantes
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