Manel já nem se lembrava de como tinha nascido. Toda a sua vida, os campos verdes e os riachos tinham sido o seu leito e o seu colo.
Apesar de muito novo, já lhe faltavam alguns dentes devido à falta de vitaminas. Por isso quando lhe pediam, por graça, que rezasse a Avé Maria, Manel emitia uns sons:
- Abia, dita, abia-sus.
Todos, no povoado, se riam. Sobretudo os meninos das “quintas grandes”:
- Manel: reza a Avé Maria
Improvisava:
- Abia- Pima-pima
Estalavam as novíssimas - imbecis – gargalhadas, pelas colinas e vales.
- Manel: apita o comboio
Já o apito, “apitava” ecoando pela aldeia, tal e qual o do trem.
Habituado a ser o tolinho da aldeia, vestiu-se de espanto quando o alistaram no 1º grupo de soldados a integrar o contingente português, rumo aos campos de batalha da I Grande Guerra Mundial.
Se não fosse o menino Joaquim, agora tenente de artilharia, nem uma arma sabia disparar.
Ai meu Jesus, caneco - pensava.
Habituado a comer o pó que a terra lhe dava a comer e a aconchegar-se, tenuemente, nas covas que habitavam a sua aldeia, Manel não estranhou as trincheiras, mas entranhou aquele ombro a ombro com o menino - Sr. Tenente.
- PUM! PUM! PUM! Manel, vem aí um merdas de um boche, caralho! Manel apita o comboio gaita. JÁ.
- UUUU- UUUU! Apitou Manel, assustou-se o alemão que se virou para procurar a locomotiva, muito baralhado, enquanto levava com uma coronhada na cabeça.
- És um Herói, Manel, salvaste-me a vida, anda, foge.
Manel não sabia o que era a porra de um herói. Tudo o que queria era ficar na sua covinha.
- Abia-Pimba-pimba, ouvia as granadas que confundia com os disparos das gargalhadas dos meninos das quintas grandes.
PUM! Manellllllllllll gritou até para além do eco da vida Joaquim.
9 De Abril de 1918 tombou Manel, nas trincheiras da terrível batalha de La Lys.
O grosso da aldeia, ainda hoje em dia, vai em romagem á sua tímida lápide.
Joaquim, sempre, chora arrepios, quando a lê:
- Manel: Apita o comboio!
(Suzana D´Eça)
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