nox ad aeternum

 

nox ad aeternum

Portuguese

Certo dia que ninguém viu ao certo no calendário caiu numa pequena povoação do interior uma noite cerrada mesmo ao nascer do dia. Ao princípio as pessoas preocuparam-se e aconselharam-se com as pessoas do norte da Europa, mas depois habituaram-se. Os dias foram-se passando mas só quando se passaram muitos dias é que as pessoas se deram conta da gravidade da situação.

Foi improvisado um palanque, fez-se luz com recurso a muitas velas, mas foi uma ideia da qual tiveram de desistir rapidamente. O vento não corria de feição para aqueles lados e de minuto a minuto iam-se apagando cada vez mais velas. Deliberou-se então que nova reunião só ocorreria lá para agosto, quando normalmente a brisa sopra com pouca força e todos se pudessem ver.

Até lá, logo haviam de se arranjar. E arranjaram. E em meados de agosto, passados cinco meses, numa noite (dia?) quente e sem brisa que pudesse arrefecer a terra, lá se reuniram todos à luz de muitas velas e com o coração apertado. Todos falavam ao mesmo tempo e davam muitas opiniões. Vistas bem as coisas, parece que ninguém se entendia. Mas antes, e por precaução, tinham escolhido alguém suficientemente desembaraçado para escrever em folha branca todas as opiniões que se iam ouvindo aqui e ali.

Por fim, e recolhidas todas as opiniões, fizeram uma votação. Que a noite perpétua lhes tivesse caído em cima era uma coisa com a qual até já se estavam a habituar a viver; agora descurarem a democracia, nem fosse por breves instantes, isso já lhes parecia uma ideia deveras hedionda.

Contadas as votações chegou-se a uma conclusão: o próximo passo seria uma reclamação por escrito, em carta registada, ao governo central. A carta foi escrita logo naquela noite (dia?), lida por todos, e depositada nos correios, que se encarregariam de fazer chegar a reclamação ao seu destino. Depois restava-lhes esperar. Esperaram um, dois, três dias. E quando alguns habitantes mais desesperançados já se preparavam para dar um novo rumo às suas vidas, eis que surgiu uma resposta. Tinha chegado uma carta do governo central. Leram novamente o envelope para se certificarem da veracidade da boa nova. Sim, não havia dúvidas, no remetente podia ler-se “governo central”.

A população rejubilou e trataram logo de se reunir nessa noite (dia?) para lerem em público o conteúdo da tão ansiada carta. Fez-se da imaginação novo palanque, buscaram-se mais velas, e as gentes juntaram-se. Mas nessa noite, tal como há três dias atrás, o vento continuava a não ser favorável. A população rebelou-se e ouviram-se palavras de ordem, mas não havia nada a fazer. Alguém lembrou-se então de dizer “daqui a cerca de um ano, mais ou menos em finais de julho, talvez seja a melhor altura para lermos a carta, visto não haver praticamente nenhum vento durante esse mês”.

As pessoas acharam justo e esperaram. E em finais de julho do ano seguinte houve alguém do gentio que se lembrou que naquele dia não mexia nem uma brisa que fosse e que seria o dia ideal para ler a carta. A população rejubilou com a boa nova e lá se reuniram todos no palanque improvisado à luz das velas. Para ler foi escolhido um trabalhador burocrático, habituado ao grande público e a discursos populares de longas horas. E após passar uns breves segundos a vista pela carta leu então com uma voz impecável:

“Caros concidadãos da povoação x: é com imenso prazer que lhe anunciamos que a vossa noite perpétua, a vossa nox ad aeternum, como carinhosamente a chamou um dos nossos colaboradores do governo central encarregue do vosso processo, foi unanimemente considerada de lamentável equívoco, que em breve será solucionado. Agradecemos por isso a vossa melhor compreensão.

Atentamente,

governo central”

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Comments

Perfeito!

Desde o dia-noite-dia, cinco meses numa noite e equívoco perpétuo rapidamente solucionado!
Prendeu-me a atenção sem vontade de saltar palavras ;)

Obrigado pelo elogio.

Obrigado pelo elogio. Realmente este estilo de escrita, e principalmente este formato de pequenos contos, adaptam-se perfeitamente ao que gosto mais de ler/escrever. :)

 

;)

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Parece que

Isto duplicou os comentários... oppps

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