É começo de tarde; algumas folhas secas, levadas pelo vento, percorrem a calçada frente ao cinema “Rio 70”. O sol já se põe por trás da estrutura oval da sala. Na fila da bilheteria encontra-se um homem sem companhia. De estatura baixa e jovem apesar das amplas entradas em sua cabeça. Chega à bilheteria, compra dois bilhetes e caminha até a porta principal do cinema. Pelo limiar da porta olha para fora; estira seu pescoço e levanta a vista para esquerda e para direita. Suspira fundo, morde seu lábio inferior e consulta as horas em seu relógio. Alguns segundos depois tira uma foto do bolso do seu paletó e à observa. O papel da foto está amarelado e as bordas desgastadas; parece algo antigo. Na imagem, preto e branco, há um homem e uma mulher. O rosto da mulher é afilado, sua cabeça está coberta por um véu branco, que esboça sua face. Seus olhos, verdes e grandes, são moldurados por cílios longos e curvos, e seu nariz fino contrasta com seus lábios carnudos. O homem ao seu lado é um pouco calvo, é cinco centímetros mais baixo, veste um smoking preto e seu largo sorriso permite ver todos seus dentes; é parecido com o homem que olha a foto.
Depois de ter observado a foto um momento, o homem conduz seu olhar para o outro lado da rua, para uma mulher que desce de um Lincoln branco. Se parece com a mulher da foto, mas com algumas rugas no rosto. Ele sorri enquanto a vê chegando. Ela caminha com passos firmes e seguros. Observa o homem e sorri com ternura; ele não deixa de sorrir. Perto dele, a mulher o beija e ligeiramente aperta suas maçãs do rosto.
Ele indica por meio de um sinal para que tape os olhos; ela o faz. O homem pega os bilhetes do bolso do paletó e os colocam em frente a ela, segurando-os. Ela separa suas mãos, descobrindo os olhos e observa os bilhetes, os pega e ao centro do bilhete lê-se: “ –FROM HERE TO ETERNITY- estreando 30 aniversário”. O sorriso da mulher começa a desaparecer lentamente, e devolve os bilhetes para o homem. Sua feição muda. A mulher, depois de permanecer em silêncio alguns segundos, da meia volta e se distancia; atravessa a rua e caminha até o Lincoln branco que continua estacionado. Sai do carro um homem alto e de corpo atlético, seu cabelo é grisalho e está perfeitamente penteado de lado. A mulher sussurra algo enquanto mantém suas vistas para o solo. Ele a toma pela cintura, beija sua boca suavemente e abre a porta.
O outro homem, imóvel, observa a cena e vê o Lincoln distanciar-se. Depois de um minuto caminha até uma cabine telefônica fora de serviço que se encontra do lado da porta do cinema. Por trás da cabine, segurando um ramo de flores vermelhas, aparece um homem parecido com ele, porém, mas velho, que observa este que chegou: vê seu rosto triste e desarticulado, e interpretando seu gesto, aperta fortemente o ramo de flores e lança um suspiro profundo, leva a mão ao rosto deixando cair às flores.
Os dois homens se distanciam caminhando com pesar, o mais novo passa o braço sobre o mais velho. A noite tem caído e algumas pétalas, acompanhadas do resto de uma fotografia cortada em pedaços, percorrem a calçada frente ao cinema “Rio 70”.
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Maravilhoso seu conto,
Maravilhoso seu conto, parabéns!