Queria contar a nossa história numa fita de cinema ao mundo. Queria colocar – lhe um efeito: um efeito que o amor nos causa quando nos entregamos sem molduras e acrescentos. Queria escrever tudo o que sinto, tal e qual como é e tal e qual como foi. Queria escrever-te sobre duas pessoas e ler-te baixinho ao ouvido quem elas são ou o que elas foram (a sonhar com o que elas poderiam vir a ser). Queria olhar-te nos olhos e ver-te tão minha sem que o fosses de verdade, porque não és embora eu queira descordar dessa realidade. Olhar-te num silêncio de amor, feito por nós, vindo embalado pela água que nos lava dos medos, onde os lábios - os teus e os meus - saboreiam a vida - a minha e a tua - e que é verdade que só assim faz sentido. Se eu não tivesse entrado àquela hora naquele autocarro, naquele dia e o universo não tivesse conspirado com o motorista para eu te acordar, certamente hoje não estaria aqui onde estou, com quem me dou, o que escrevo e para quem. Admitindo plenamente que uma circunstância leva a outra, não fosse o amor uma porta aberta para o mundo, uma inspiração ou um dilema de vida para tantos. Faz quase dois anos que te conheço e que os que estão à nossa volta assistem à nossa história. Capítulo por capítulo, alguns deixados a meio com algumas reticências, outros sem princípio meio e fim, muitos não lidos, passados à frente. …E por um tempo acreditaram em nós. E nós será que alguma vez acreditámos neles? Durante um ano, durante 24 horas por dia, fui descobrindo o amor, fui descobrindo-te sem que me apercebesse que existias. Pôde ter falhado uma hora, um dia, ou um mês, eu sei. O tempo, esse não parou sequer, e eu acordei a sentir o mesmo por ti a cada dia, sem que estivéssemos lado a lado, todo o sempre. E isso faz-me amar-te hoje ainda mais que ontem. Falo do amor como se falasse de uma riqueza sem dinheiro, de uma riqueza interior que se sobrepusesse a todo o mal que nos quer mal. E que é verdade que duas pessoas apaixonadas podem tornar a vida um verdadeiro desafio, sendo ou não do mesmo sexo, cheio de diferenças mas prontas para enfrentar cada obstáculo mesmo que tivesse de ser em segredo. Penso em ti sem obsessão, mas não nego que te tornaste parte do meu fôlego, mas amanhã terás de deixar de o ser. Ontem já começamos a tentar… E pode ser que um dia destes esta estória seja a tal lembrança que só existe uma vez, mesmo quando já nos tivermos esquecido dela pelas areias e brizas dos fins de tarde, ventosos, deixados pela esplanada preenchida de estrageiros que já nos começavam a conhecer, ou até mesmo, desculpa, deixa-me só acabar; pelas noites refugiadas em mantas em que eu e tu aparecíamos de mãos dadas, já um pouco meio geladas porque a janela do teu lado não fechava. Tudo isso vai ficar… … e a janela do teu carro, essa, acredita que vai continuar aberta para comprovar que é verdade. A não ser que que a quebres. E que comeces a desacreditar. Quando isso acontecer posso já mesmo nem estar mais na tua vida. Não poderei, não posso e já nem devo permanecer. Desculpa, mas desta vez é a sério. Deixo-te de prometer a jurar muito que não te esqueço. Já reparaste como deixámos de fazer quase tudo para nos termos em tudo a todo o tempo? De como sentimos mais de perto a genuinidade da vida mas também de como se tornou impotente cada fragmento de segundo? Como deixamos de olhar o relógio e nos deixámos fundear num calde delicioso sem rendimento? Como nos tornamos tão nossas à mínima coisa. Suspiro. …Raios, como a lua ficava bonita para nós. Faço estas perguntas a olhar para uma fotografia branca, sem que nela possa estar um sinal de nós num futuro próximo como dantes. Ridículo que não lá estejamos como se acreditou, um dia. Não fosse a nossa forma ridícula de deixar tudo em suspenso só porque éramos qualquer coisa grudada (unida) sem noção dos alvos que estávamos a atingir. Talvez tenhas razão e eu também – Tudo sem ressentimentos. A fotografia continua desbotada, mas recordo exatamente como foi e de como logo a seguir deixou de ser. Apagaste o cigarro e foste. O fumo se foi e tudo ficou mais claro. Tinhas de ir para que eu pudesse continuar. Seria isto tão necessário? Sim. Acho que não me esqueci de nada no teu carro. Porque no meu não há nada que possa ser teu – A não ser a minha água corporal que por instantes foi só de ti, sem ter como sublinhado “para sempre”.
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