Ser nada

 

Ser nada

Portuguese

A dor de não ter o que se quer ter e não se tem é a cansativa atitude do ego quando tenta forçar a alma a vivenciar algo de que não precisa. 
Tudo o que tenho é tudo o que sou. Mesmo assim às vezes penso que não sou nada pois tudo o que acho ser é pensado. 
Se sou o que não penso então tudo o que sou é vida, respiração, visão, olfacto, tacto, paladar, voz… Sentir. Lágrimas e risos… Sou lágrimas e risos… 
Mas não serão as lágrimas e os risos provocadas por emoções que surgem das criações que originam os pensamentos? Crenças…?
Então sou apenas vida e respiração. 
Sou corpo e alma e sangue e luz.
Isto eu tenho a certeza de que existe, não é pensado, existe. 
O corpo vê-se, cheira-se, toca-se, saboreia-se até… 
E a alma… A alma não se vê, não se cheira, não se toca, mas sente-se… Como? Através da vida que existe no corpo. O bater do coração, a respiração… Isso. Tudo o que sou é respiração. Tudo o que sou é alma…
Não será isto o suficiente para me sentir preenchida? Completa? Inteira? 
Ah... Já me sinto isso tudo…!
Apenas a força do meu ego continua a distrair-me, puxando-me para o querer ter o que não tenho, afastando-me daquilo que a minha alma não precisa pois tudo o que ela precisa não é de ter. Tudo o que ela precisa nem é de precisar. Apenas é. É de ser. 
“Come chocolates pequena, come chocolates. Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.” Sussurrou-me de repente uma voz de uma maneira delicada talvez, surgindo no ar fresco da noite que me contornava. 
"Escrevia isto o corpo de Fernando Pessoa." Pensei...
Podes escrever através de mim. Sentirás de novo o prazer de transformar a magia da tua alma em palavras poéticas neste mundo e eu terei o prazer de através das palavras poéticas que escreves com as minhas mãos, saborear toda a sabedoria que existe em cada sentimento da tua alma.

Já não quero saber se tudo isto é sentido ou pensado, real ou ilusão. 
Sou alma, sou respiração e isso basta-me.
Sou tão coração com tanta força que derramo dentro de mim todo o amor que existe numa vida.
“Come chocolates pequena, come chocolates. Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.” Falou-me outra vez ao ouvido a voz masculina, bem presente, bem intensa, bem viva, mas suave... Cuidadosa... Sem figura aparente nem sombras nem vultos... Apenas... Apenas voz.
Delicia-me o silêncio que nos une enquanto nos envolvemos e desenhamos estas palavras com a caneta no papel, carregadas de sentimento e poesia.
A poesia é a obra final de quando, através da presença da alma, é derramada parte do que lá existe e misturada com o sentimento delicioso de uma escolha de palavras certas. 
Qual escolha...? Quais palavras “certas”…! 
Resume-se tudo a deixar fluir sei lá eu o quê! 
Talvez aquilo que vem dos céus… O desconhecido que tanto tememos e que na verdade é muito melhor do que tudo aquilo que conhecemos... Penso eu... Também tudo isto que escrevo pode ser mentira, ilusão... Pensamento...
O que interessa o que é e o que deixa de ser? 
Sou silêncio, sou respiração e amo sê-lo e agora não quero ser mais nada! 
Agora não quero ter mais nada, pronto já disse! 
A minha alma sabe bem o que precisa. A minha alma sabe muito bem o que é. 
Nada. É nada.
Sou nada... E amo sê-lo.

 

Laura Mendonça

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