Poemas dos Desencontros
Poema I
Os pés ardentes em areias movediças
São o abandono e a paz por fim
Talvez construa um palácio de marfim
Pudesse eu ser rainha de mim…
O deserto infecundo e agreste
É casa de pó e destroços
Aqui mora o inferno e a peste
E jazem partidos os meus ossos
Morta ou mortificada,
Pela vida, maltratada
Buscando abrigos
Onde se oferecem jazigos.
Poema II
As montanhas, os rios, os ventos
Natureza em sussurros de conspiração
Tornam a mim as vozes clementes
E a profunda certeza de solidão…
Pudera firmar raízes como o pinheiro
De folha resistente o ano inteiro
Não voaria solta a minha alma
Por qualquer vale ou desfiladeiro
Ser simples como as coisas simples
Vivendo serena, solene e forte
Entregue à própria sorte.
Pudera ser. Em paz…
Pudera ser capaz…
Poema III
Em sonhos, vivo num jardim de tulipas
Brancas, amarelas, escarlates
Acordo em sobressalto e desatino
Em pleno campo de combates
A luta que travo não move pedras,
Não desembainha qualquer espada,
Não promove cortes visíveis,
Apenas sorrisos de paz armada.
Vivo num reino que não reino
De lágrimas é a minha fonte
Pudera conhecer a felicidade
Que se esconde do outro lado da ponte…
Ignorando, porém,
A felicidade é um dom e não um bem
Poema IV
Demoro-me em cada viagem
Perdendo-me sem nunca me achar
Sonhando viver como selvagem
Não fosse a verdade de amar
Enterrei, como tesouros, as dores em parte incerta
Abandonei orgulhos e louros
E a minha alma deserta
Estarei eu mais próxima de mim?
Voltarei completa ao ponto de partida?
Esta é uma viagem sem fim,
Em mim não acho terra prometida.
Poema V
O coração a vaguear
Não me pertence, ainda que queira
É o fado de quem ousou amar
É o fado de uma vida inteira
Uma ausência de mim que pesa
Uma existência triste e moribunda
Um viajante sem rumo e sem raízes
Trazendo aridez à terra mais fecunda
Resta doar-me aos céus e ao mar,
Para curar as feridas em sal grosso
Pequena será a distância ao céu
Comparada à grandeza do meu fosso
Poema VI
Devolvo-me ao mar
Sem esperança, sem abrigo, sem fundo.
O sal na pele arde-me a ferida,
Ornamento de um outro mundo
Que a ninguém dá guarida.
Solto o corpo bailarino,
Bramindo sem resistir
Num abraço demorado e sentido
Sinto o peito comprimir…
Talvez me percam, talvez me encontre
Volvidas as voltas à Terra,
Sou das águas, das pedras
E do negro que o mar encerra.
Poema VII
Esta é a história do eu
Que não era eu, nem saberia
Que sonhava a cada lua
E não enxergava a luz do dia
A história do eu
Que ser eu não queria
Morrera tantas vezes
Ainda no início a sua vida ia…
A história da tragédia
De amar sem pertencer
Que jamais alguém irá ler
Porque o mar fez esquecer…
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