São 4 da manhã e até o sono me abandonou. Podia virar-me ou ficar com a tua almofada mas o resultado não seria diferente. Os sabores da nossa viagem ao Norte de África ainda me perseguem e o calor presente está acompanhado pelo silêncio da noite. Há muito que os comboios do metro e até os carros se recusaram a deixar o seu repouso. Está calor sim, mas o vazio que sinto faz-me tremer de frio. Viro-me e levo ingenuamente o lençol e o cobertor até ao pescoço. Gesto fútil pois quando o vazio reina em nós até um deserto tórrido consegue ser frio e gelado. Vejo o jogo de cores que formam o amanhecer e reparo na t-shirt por baixo da tua almofada. É a t-shirt que criticaste uma vez e ficou o teu pijama pessoal. Continua incolúme no lugar só a ti destinado. Não falamos muito desde que viemos e embora a minha vida tivesse parado o tempo não. 5, 6, 7 horas e continuo deitado na cama. Esta apatia letárgica consome o pouco que há em mim e não a consigo combater. Ou não quero? Não sei...Preciso falar contigo, sentir-te de alguma forma. Envio a tímida mensagem desejando-te um bom dia e indagando saber como estás. A tua resposta imediata restaura-me as forças e nem parece que alguma vez padeci por amor. Isto até chegarem as palavras que ditam o teu distancionamento de mim. Nada podia ser tão doloroso. Afundo-me na cama e não me apetece fazer nada. Nada, só morrer enquanto a vida passa por mim. Não quero estar aqui mas também não quero sair. Não sei o que fazer, não sei o que dizer, não sei nada. Sei. Sei que preciso de ti. Isso eu sei. Penso ou desejo (já não sei...) na tua presença junto a mim, a dizer que está tudo bem, já passou, estás aqui. Mas não estás. E não está tudo bem. Sinto-me tão cansado, zonzo e a tremer tanto. O frio não passa e o vazio não me quer deixar. São 11 horas e o meu estado vegetativo não impede que a fome surja em mim. A vontade de desaparecer e acabar com este pesadelo apesar de imensa, não consegue bloquear uma das mais básicas necessidades do Homem. Levanto-me contra-à-vontade e desajeitado e tento estar pronto para sair. Ninguém acreditaria no tempo que demorei a sair mas consegui sair. A navegação até às lojas foi tão tortuosa. Se via as pessoas como meros obstáculos no caminho que me tinha de desviar, para elas eu era nada mais que uma estranha casca andante sem destino. Como num restaurante para não fazer comida à vinda. Se ia sendo atropelado a pensar em ti o que cozinhar poderia fazer? Acabo a refeição e parto rumo às compras para chegar rápido a casa. Sim, parece estúpido mas eu acredito que vens. Apesar de tudo nunca me falhaste. És fantástica em ter razão e deixares-me miserável e culpado até apareceres para me curares. A espera não é longa e estás a ligar-me a pedir que te abra a porta. Não fiz a barba. Poça não fiz a barba! Tanta coisa e não estou no meu melhor para ti. Até nisso és perfeita e não te importas de estar assim e pedes-me até para a deixar crescer para a minha pele não sofrer tanto sempre que desfaço a barba. Tenho medo de corromper a tua pele de seda mas já tu te aproximaste e encostaste a tua cabeça ao meu peito enquanto me abraças. O meio-segundo que demoro a corresponder a tanto amor é devido a vislumbrar a perfeição de um sorriso na companhia do mais belo dos narizes. Estou um Monstro mas tu Bela, continuas a abraçar-me. Entras finalmente e pões-te à vontade como só tu sabes. Brincas na melhor maneira de te deitares no sofá enquanto me delicio contigo e arrumo as coisas que me trouxeste, não fosses tu a melhor namorada do mundo mesmo zangada comigo. Dizes que tens que ir embora que só estás de passagem. E no entanto acedes a ficar comigo e acabamos mesmo por passar a tarde juntos. Enroscaste no meu corpo e ajeitas-te no meu braço. O teu aninhar em mim leva-me institinvamente ao aperto do meu abraço com medo de te perder assim como ao sussurro das mais puras declarações de amor, todas bem merecidas. Raros são os anjos que vêm à Terra e os que são achados devem ser estimados. O retorno da nossa cumplicidade ensina-me porque é que algumas pessoas não têm medo de nada. Só não tem medo quem não tem motivos para viver. E neste momento, eu tenho medo que te vás embora...
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