Ostracismo XXI
Por Sara Timóteo
Passaram dois anos até que as pessoas que a haviam conhecido sentissem a falta dela. O linguajar incessante, o riso desbragado e a bazófia desalinhada não cativavam ninguém, ao contrário do que ela sempre havia pensado.
Quando se apercebera disso, remetera-se a um mutismo que, noutra pessoa, seria considerado como inquietante. O riso fora o primeiro elemento a desaparecer das interacções sociais em que era forçada a incorrer. Depois, Adelina deixara de se dirigir a alguém de moto próprio, com excepção das ocasiões em que comprava comida ou outros bens de primeira necessidade. Finalmente, desaparecera: deixara de sair à rua e isolara-se de tudo e de todos. Fora esquecida e em breve substituída por outras pessoas de riso mais fácil e de menor superficialidade.
O único ser que a notara diferente havia sido o seu cão. Apenas por ele saía à rua e entabulava conversa com os que, como ela, passeavam os cães. Pirata, muitas vezes, gania devagarinho e oferecia-lhe a pata ou lambia-lhe a mão e o rosto quando a encontrava banhada em lágrimas ao final do dia. Recebia Adelina sempre com a mesma alegria, quer fizesse chuva, quer fizesse sol.
Esta espécie de ostracismo continuara até que se convertera, em pleno século XXI, numa sombra do que fora. Era todos os dias resgatada por Pirata dos pensamentos mais sombrios e assim a vida de Adelina prosseguiu até Pirata morrer de velhice cinco anos mais tarde.
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