Trabalhos. Trabalhei na pêra este verão. Aqui o dinheiro cai das pêras apanhadas, cobertas de produtos fedorentos e produtivos de crescimento anti-natural. Pêras. De olhos fechados há pêras. Dias passam. Interminável tempo passado por ventos pedidos e repedidos pelos transpiros mútuos, abafos escorridos pela gravidade aplicada, perceber as gotas que nos trespassam e passam pelo corpo. Apercebi-me do tempo. Passa rapidamente lento por aborrecimentos conjuntos ou sozinhos, olha-nos com gozo. Outra forma de o sentir. Conversas. Distraídas estas por falas que pedem mais falas. É bom.. Divulgarmo-nos. Partilhar o ser feito. Conversas faltam poucas, nulas atrevo-me a dizer. As pêras falam-nos. "Não te esqueças de mim". Não sei, devo ter imaginado já isto. Peremptóriamente as oiço. Alivia-las da prisão em que estão um ano inteiro até serem colhidas, alimentadas a soro de químicos. Aliviar também quem as carrega.Troncos. Destes tenho eu misericórdia com as artroses e marrecas que apanham e ganham de as carregar cada vez mais pesadas. Se pensarmos assim?!.. Tempo passa.
Vi. Vejo a capacidade de um ser que precisa de viver. É bom sujeitarmo-nos a trabalhos destes, sujos, duros (alguns maduros), trabalhos brutalmente psicológicos aborrecidos, fatigados. Rubor. é a palavra certa. Queixamo-nos nós, inocentes da vida pródiga que levamos. Sabemos lá nós o que é a vida, o que é ganhar por ela, o que é levantarmo-nos a poucas horas de sono e passar os dias à exaustão constante. Tornámo-nos materialistas, sediciosos, sem valores, tudo conta para o bem próprio. Esta realidade que vivi na pele de cansaço, deviam muitos vivê-la com acatamento.
Pura realidade diante de uma alma inconsciente. Realidade poucos a vêem.
Num dia vemos tantas analogias. Sei lá.. As pêras que apanhei foram o meu facebook, o meu blog e as palavras soltas na cabeça à espera de serem escritas, tudo numa única pêra.
As mãos agarram o sujo, o imundo. Sabe bem chegar a outro de tantos dias feitos e perceber o trabalho que acatamos em nós. O simples prazer de sentir confortavelmente todas as substâncias supostas a ficar no chão a percorrerem caminhos de pele, imagino a pugna por esses traçados genéticos "compostos químicos contra partículas moleculares". O prazer de olhar o tacto que reflecte a lassidão e pó tirado com suor de um dia forte de sol.
Fascinam-me trabalhos conduzidos a um aspecto retrogado e antigo. Holaria como um dos exemplos, o gosto proporcionado a cada momento, a cada toque mais sujo e porco que o anterior podermos livremente tocar, sentir, brincar com naturezas modificadas, no fundo sermos terra igualmente. Sentem-se as infâncias, as inocências sentam-se ao colo de quem as quer. Falando seriamente, tocamos no que um dia servirá para nos tapar (acolher prefiro) deste mundo. Quem sabe se da decomposição exigida pela natureza do tempo não ajudamos como adubo a uma nova pereira. Enfim. Ao menos ou a mais que apodreçamos em prol de vida.
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