O REMÉDIO

 

O REMÉDIO

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O REMÉDIO

Chamaram um médico. Há três dias que a velha Almerinda não se levantava da cama. Extática, os olhos fixos no velho candeeiro, não respondia a quem a chamava. O médico apalpou-lhe os pulsos, auscultou-a, levantou-lhe os dois pés e deixou-os cair com aparente violência. Almerinda não se mexeu. O médico encolheu os ombros.
-- Não está morta. Mas também não está viva.
Chamaram os netos. Vitinho tinha 7 anos e gostava de pular em cima da cama. Logo se empoleirou, mas a velha não se mexeu. Rosita, de 5 anos, deu-lhe um beijo respeitoso e a seguir puxou-lhe as bochechas enrugadas. Almerinda continuou extática, como uma estátua.
Chamaram uma mulher que comunicava com os espíritos. Em silêncio, ela cuspiu-lhe fumo para o rosto e disse-lhe qualquer coisa ao ouvido. Almerinda pareceu não ouvir.
Os vizinhos vieram ver o que se passava. Olharam-na com comiseração e acharam que já não havia muito a fazer por ela. Despediram-se todos com o sinal da cruz, e a família decidiu chamar um padre.
-- Porque não falaram primeiro comigo? – ralhou-lhes o clérigo, ao saber que já lá tinha estado uma mulher que comunicava com os espíritos.
Depois rezou durante duas horas, a sós com Almerinda.
-- Ela está nas mãos de Deus. – disse quando saiu, acrescentando: Vamos esperar.
Os dias foram passando e nada se alterava. Habituaram-se a ter a velha Almerinda no quarto, olhando o tecto. Às vezes, até se esqueciam dela. Uma vez, surpreendidos, repararam que ela segurava um papel entre os dedos entrelaçados sobre o peito. Quem o colocara ali? Ninguém sabia, era um mistério, parecia coisa sobrenatural.
Mas,curiosos, tiraram-no, a custo, das mãos rígidas, e leram, com o coração aos pulos:
“Não, a única coisa a fazer é tocar um tango argentino.”

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