Encontra-se

 

Encontra-se

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Florêncio pensava, todos os dias antes de adormecer, na urgência de escrever uma carta a todos estabelecimentos comerciais a solicitar que o “Procura-se” dos anúncios fosse substituído por “Encontra-se”. Afinal, numa perda de energia e tempo, teima-se em procurar coisas no exterior da vida. E nisto Florêncio gritava: Procuro esperança! Procuro realização! Procuro prazer! E assim começou esta história: no outro, na outra e nos outros. Desde cedo, ainda no útero da mãe, aprendeu a saciar-se de forma rápida e imediata, tendo sido este o primeiro passo para um crescimento de vício no outro, na outra e nos outros. Deixou de ser homem para ser algo menor.

Ele dizia-se doente, terrivelmente enfermo e os médicos não lhe conseguiam dar cura. O padre lamentava ser obra do demónio. O curador afiançava ser um mal de alma. Ele queixava-se de um vazio. Já muito havia tentado para se livrar daquele malzinho de alma, já havia tomado as bebidas mais espirituosas (aquelas que tornam os cobardes corajosos, os silenciosos eloquentes e os sofredores insensíveis à dor...), até dormido com mulheres virgens, inexperientes, vividas e prostitutas. E o vazio continuava. E ele gritava e penava com a dor do abismo do vício no outro, na outra e nos outros. Misericórdia, implorava. Mas o malzinho não passava. Queixava-se, lamentava-se e um dia a meretriz fartou-se e enquanto se vestia e contava o dinheiro de mais um tratamento paliativo, sussurrou-lhe “vai-te encontrar”.

Embora céptico, decidiu experimentar a sugestão terapêutica daquela especialista em comércio porneion e chorou... Recordou-se de quando a sua mãe o abandonou junto ao calhau, de quando viu o pai morto na estrada com uma garrafa na mão, de quando reviu a imagem da madrinha a pegar nele com o marido, de quando o padrinho morreu a mudar as telhas da casa nova e de quando subiu pela mão da madrinha para o barco. Mergulhado na sua história partiu como Cristo para um recolhimento de quarenta dias guiado pelo jejum do desejo e pela abundância da oração.

Florêncio morreu no deserto, dizem uns, Florêncio fugiu com o circo, afirmam outros, Florêncio, em breve, há-de voltar – diz a madrinha. Mas apenas a meretriz sabe o desfecho. A mulher reparou no papel que envolvia as notas, estava amarrotado e parecia ter um borrão no canto direito, nisto aguçou o olhar e leu: Fui-me encontrar.

  

 

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