Querida C, escrevo-te esta carta para afincar no papel o registo de amor que todos os dias espoletas no âmago do meu peito. Na verdade, escrevo mais para mim do que para ti, porque sou eu quem tem medo de, um dia, esquecer as palavras certeiras ao teu coração e o olhar directo ao teu pensamento. Certo é, também, que por mais vocábulos que existam, ou se inventem, nunca o afecto que te tenho poderá consubstanciar-se num deles ou no compêndio de todos eles. O que sinto por ti não se traduz em sílabas nem tão pouco se mede pela força estilística de um qualquer soneto. O que sinto por ti poeta algum conseguirá, por mais talentoso que seja, ditar em palavreado. Ajudará, contudo, se te disser que quando me olhas nos olhos, és tu, inteira, que me trespassas e que é já impregnada de ti que embarco na viagem de mais um dia. Posso, ainda, assegurar-te que do tempo que antecedeu a tua chegada ao mundo, resguardo apenas os momentos em que desejei que existisses com urgência, os instantes incisivos em que te sonhei minha filha e aqueles em que soube o quão orgulhosa seria nesse futuro, então adivinhado, por ser a tua mãe. Sei que não sou a mãe perfeita, mas não me importo, porque sei o quanto de logro habita na perfeição e como é enfadonha e insípida a sua essência, que de essência pouco tem. Por questões meramente estéticas, e porque quero que aches esta carta bonita, não posso escrever-te expondo aqui as minhas (imensas) imperfeições, que tu, qual perita, descobres, sem assombro, sempre que escorrego no desleixo da rotina; por isso, seria, até, inútil o seu registo. E, ainda que não seja bonito chamar para aqui o “desleixo”, abro uma excepção para devolver o devido prestígio a um descurar que é, para mim, muito mais qualidade do que defeito e muito mais carácter do que desvio. “Amo-te e faço o que quero”, pois, é isto mesmo! Não quero armar-me em Jesus Cristo, mas assumo que lhe plagio a ideia, para te dizer, querida C, que o amor que te tenho deita por terra tudo o resto, legitima as minhas falhas menos graves e apazigua as mais sérias, fazendo recuar todos os meus falsos apegos e as minhas mais profundas culpas. E pronto, é isto; o meu amor por ti é a minha mais doce penitência e a tua felicidade será o meu perpetuado sopro de vida . Deixo-te esta carta, para, se um dia, tudo vacilar conseguires reter em ti a convicção febril de que o tanto que aqui ficou por dizer arrecado-o no teu coração, e no meu, de cada vez que sustenho a minha respiração para poder sentir a tua.
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