Imagino o que faria se à minha frente se estendessem as águas cinzentas de onde se eleva a Orsunde. Ou quanto tempo demoraria a contemplar as paredes de Rosenborg. Procuraria nas fachadas do Christiansborg a forma da tua boca? Perscrutaria a arquitectura da cidade, entediada com os vestígios dos vikings, enquanto deslaçasse o sentimento agreste que antecede a perda? Guardaria os caracteres rúnicos, segredos só por ti desvendados e sorriria aos passantes, atirando-lhes à cara a arrogância de quem possui algo de único e de reservado, de exclusivo e de impraticável, como uma estância de luxo ubicada nas águas turquesa de outro continente qualquer? Trago-te em páginas inteiras de ficção e deixar-te-ia de bom grado entre as linhas que Odin deixou para a eternidade. Algures, um oráculo ecoa na modernidade dos prédios e ordena-me que corra para longe, sob pena de morrer às mãos do Deus de Asgard numa luta desigual em terras de Nifflehein. Aqui as trevas e o frio só podem anunciar derrotas e outras desgraças. Vejo o teu sexo nos pilares e nas cornijas, em evocações fálicas que me divertem e acendem, alheia que estou à mediocridade das analogias, embora o enunciado de tragédia que leio nas auroras boreais me devesse acautelar o riso e a insensatez. A tua língua, é o voo nervoso de Fafnir, o dragão que hesita entre um beirado derruído e a estátua adorada da Pequena Sereia de Andersen. Quando finalmente eu te vencer, sabe-lo-às. Sentirás que me escorres pelas minhas pernas e quando caído no passeio, eu seguirei sem dó nem dores, qual soldado da Liga Hanseática. Voltarei a sentir pequenos espasmos de alegria como o são os risos incontornáveis das Valkyrias e retornarei ao cronometrar seguro de todos os momentos do meu dia, sentindo-me refém do meu próprio desencanto, mas, em casa, de novo em casa. Apressar-me-ei a mergulhar na água azul da Foz, enquanto tu incerto e insapiente, te afogarás na Fonte de Mimir, a mesma que afoga todos os desejos nos corações dos deuses. Em breve, quando me cansar das tuas mitologias nórdicas, das fábulas élficas e da minha crença em ti, deixarei de ser a súcubo vernacular em que me transformaste para regressar ao mundo das horas contadas, das cortesias sem sentido e dos contarelos familiares. De quando em vez, acredita, espreitar-te-ei trancado no interior da minha caixa de Pandora e uma vez aí, não haverá Afrodite que te salve nem Hínero que nos una. Não é que alguma vez tenha esperado pelo Concílio no Olimpo, mas acredita, para mitologias, prefiro a grega.
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A Lenda de Havn ( ou de um amor que (se) perdeu (n)o norte)
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